Em algum lugar dentro de Rogai por Nós, suspense sobrenatural da produtora Ghost House de Sam Raimi e dirigido pelo estreante Evan Spiliotopoulos, tem uma interessante história sobre fé, crenças e o mistério que cerca a nossa existência. Porém, essa mesma história é assombrada por um espírito maligno, o do filme de terror clichezento e repleto de computação gráfica duvidosa, e quando esse espírito possui a narrativa, o resultado fica desastroso.

O que é uma pena porque Rogai por Nós começa até bem: vemos cenas breves do sacrifício de uma bruxa no século XIX, com direito a máscara pregada no rosto – uma referência rápida, mas legal, à A Maldição do Demônio (1960) de Mario Bava. A narrativa então pula para os nossos dias, quando conhecemos o repórter Gerry Fenn (interpretado por Jeffrey Dean Morgan), que costumava trabalhar para um jornal respeitável, mas atualmente só caça notícias bizarras para um site meia-boca. Numa cidadezinha da Nova Inglaterra, Fenn literalmente topa com uma garota surda-muda (Cricket Brown) que, de repente, começa a falar e a realizar milagres numa pequena igreja próxima. Ela se diz um instrumento da Virgem Maria. Esse fenômeno começa a ficar famoso, e a Igreja lança uma investigação sobre ele. Mas Fenn, aos poucos e com a ajuda de uma médica (Katie Aselton), passa a suspeitar que algo mais sinistro esteja ocorrendo. O filme é baseado no livro “Shrine” do autor James Herberts, publicado em 1983.

O tom inicial do filme não é muito distante do de um episódio de Arquivo X ou até de Millennium, primeiramente se concentrando na atmosfera e na investigação do fenômeno, e também no seu protagonista dúbio, um sujeito descrente que quer usar a história apenas para dar uma alavancada na carreira. E nesse trecho inicial, o elenco carrega a experiência de modo consistente e admirável: Morgan está bem como sempre, assim como Brown; a presença do sempre competente character actor William Sadler como o padre da igrejinha é bem-vinda, e Aselton também demonstra boa química com o protagonista, numa dinâmica “quase Scully e Mulder”.

NEM EXORCISMO DÁ JEITO

Porém, quanto mais o filme avança, mais os problemas narrativos vão ficando evidentes. Os próprios Scully e Mulder teriam resolvido o mistério do longa em apenas 45 minutos, e não perdido tempo com padres canastrões (vividos por Diogo Morgado e Cary Elwes, que coincidentemente, também participou de alguns episódios de Arquivo X) que tentam fazer as vezes de antagonistas até o vilão de fato se revelar. Talvez por se tratar de uma história originalmente pensada nos anos 1980, é interessante notar como a tecnologia atual é pouco explorada em Rogai por Nós ou como os heróis demoram a fazer uma simples pesquisa na internet para descobrir o que está realmente acontecendo com a garota milagreira. Só de vez em quando, como numa breve menção aos vídeos da garota viralizando, ou num ocasional comentário de Fenn, é que os roteiristas parecem se lembrar de que o filme se passa mesmo no nosso presente.

E quando a verdadeira vilã demoníaca do filme começa a dar as caras, é aí que o longa vai de vez para a sepultura. Trazida à vida (ou quase) via computação gráfica, ela lembra visualmente mais um dos Nazgûl de O Senhor dos Anéis do que uma figura tradicional com olhos vermelhos e chifres. Mas o CGI do filme é muito esquisito, muito fraco… É como se o estúdio Sony e a Ghost House tivessem tido pouca verba ou pouco tempo (ou os dois, talvez) para apresentar algo mais convincente e impactante. A certa altura de Rogai por Nós, um personagem pega fogo e o espectador é testemunha de algumas das chamas digitais menos convincentes da história recente dos efeitos visuais hollywoodianos.

Vários filmes já comprovaram que terror e computação gráfica não combinam, e Rogai por Nós é mais um. Além disso, jump scares começam a se tornar frequentes, irritando o espectador com sons altos na trilha e aparições-relâmpago de coisas feias, e o longa se conclui com uma tentativa de catequizar, ao que parece, com uma cena meio embaraçosa que nem Jeffrey Dean Morgan consegue fazer funcionar.

Sobre ele, é verdade que Morgan é um ótimo ator, mas é também um notório azarado quando tenta fazer terror ou suspense no cinema – até hoje nenhum projeto com ele nesses gêneros ficou sequer bom. Rogai por Nós só se soma à lista, o que é lamentável, pois, no seu início o filme até traz à baila umas ideias interessantes sobre a fé e como ela pode ser usada por oportunistas. Claro que nenhum desses debates é aprofundado, e o diretor Spiliotopoulos – cuja pouca experiência deve ter pesado aqui – acaba até atuando contra a mensagem que quer passar ao transformar o próprio filme em algo oportunista, uma obra de tom religioso disfarçada de terror. Ele também se contenta em seguir a trilha batida dos clichês e dos jump scares, aliados a efeitos visuais muito fracos. O diabo realmente está nos detalhes, ou melhor, na qualidade dos pixels que o compõem, em Rogai por Nós, e nesse caso nem exorcismo dá jeito.

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