“People are strange” (as pessoas são estranhas), já dizia aquela música da banda The Doors. E tentar se relacionar com alguém é praticamente um convite à esquisitice, a conhecer – às vezes de forma traumática – o lado mais estranho de cada um. Na cena de abertura de Fresh, por exemplo, isso é visualizado de modo muito claro. Uma moça e um sujeito bem bizarro estão dividindo um jantar após terem marcado um encontro por aplicativo – não é raro, aliás, ver comentários descrevendo esses apps como “vitrines de açougue”.

E comida é muito importante em Fresh, curioso e divertido longa de estreia da diretora Mimi Cave. A moça da cena de abertura, aquela do jantar constrangedor, é a protagonista da história. Noa, interpretada por Daisy Edgar-Jones, vive bem sozinha, mas ainda assim queria ter alguém. A coitada, no entanto, só topa com esquisitões e, de vez em quando, com uma foto de pinto enviada para seu celular.  Certa noite, uma conversa justamente sobre comida a aproxima de um cara legal no supermercado. Steve (vivido por Sebastian Stan) parece um bom sujeito e os dois começam um relacionamento. Porém, não tarda e ela descobre a verdadeira natureza dele, que também tem a ver com comida…

SHOW DE STAN E JONES

É um filme curioso porque na primeira meia hora “Fresh” parece uma comédia romântica com moça e rapaz ligeiramente neuróticos, mas encantadores, se aproximando. Mas já nesse início, Cave e a roteirista Lauryn Kahn lançam pistas sutis de que algo não está inteiramente certo, como o jogo de reflexos no espelho quando Noa e Steve conversam no primeiro jantar ou a fala dele “eu não como animais”. Então, os créditos de abertura aparecem depois destes 30 minutos – surpreendentemente – e de romance, o filme dá uma guinada para o suspense.

E é interessante a abordagem da diretora, porque ela tempera o filme – com o perdão do trocadilho – com umas pitadas de humor sarcástico. Apesar de ser uma história séria e assustadora com profundas implicações para mulheres, há sempre algum momento para comprovar que Fresh não se leva 100% a sério. Contribuem para isso a cinematografia de Pawel Pogorzelski, que dota o filme de cores vibrantes e quentes, algumas intervenções visuais breves que trazem um humor bizarro, e as atuações de Edgar-Jones e Stan.

Ambos estão simplesmente fantásticos, têm uma química interessante e conseguem fazer com que o público invista neles e no jogo psicológico que se desenvolve entre Noa e Steve. Há até um momento em que os dois dançam para a câmera, um sutil e breve momento de quebra da quarta parede que só funciona porque Fresh é maluco e razoavelmente imprevisível. Outra ótima atuação no filme é da atriz Jojo T. Gibbs, que se destaca como Mollie, a melhor – bem, talvez a única – amiga de Noa e a personagem mais esperta do filme…

HISTÓRIA ESTRANHA COM GENTE ESQUISITA

Apesar de interessante, o filme tem lá suas escorregadas. Lá pelo meio, ele diminui um pouco ao fazer a protagonista se tornar muito passiva e até dar uma sumida. E o roteiro nunca se preocupa em dar muita “carne” para algumas das personagens coadjuvantes, que ora parecem passivas demais ou simplesmente não são exploradas, como a da atriz Charlotte Le Bon, que tem uma conexão com o Steve e nunca chega realmente a ter suas motivações definidas.

Mas no fim das contas, Fresh não parece muito preocupado com profundidade. É uma história estranha com gente esquisita, com aquele tipo de conclusão sangrenta e impactante que deixa o espectador bem satisfeito, e Cave e seus atores parecem se satisfazer com isso. De fato, Fresh satisfaz: é um prato diferente, mas bem gostoso.

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