“Boiling Point” é um retrato seco de um dia infernal em um restaurante do norte de Londres. O filme de Philip Barantini, que teve sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano, captura de forma eletrizante – e em uma única tomada – a pressão de um dia de trabalho que vai aos poucos dando muito, muito errado.
Andy (Stephen Graham, de “O Irlandês” e “Rocketman”) é um chefe de cozinha que chega atrasado para o seu turno em uma movimentada noite de dezembro. Ele descobre que uma inspeção de rotina rebaixou a classificação de higiene de seu restaurante. Para pior, o lugar teve overbooking e um chef celebridade aparecerá por lá. A partir daí, ele junto com sua equipe de cozinheiros e garçons se tornam uma bomba-relógio – com o público acompanhando de perto, sem cortes, esperando a explosão.
INTERAÇÃO COMO FORÇA-MOTRIZ
Barantini, que adapta e expande aqui seu curta de mesmo título de 2019, mostra talento ao criar uma situação crível mesmo com um conceito – a tomada única – que poderia parecer gratuito em outras mãos. O roteiro, assinado por ele e James Cunnings, aposta confiantemente na construção de arquétipos, privilegiando a interação do coletivo ao invés de desenvolvimentos narrativos individuais.
A galeria desses personagens incluem a abnegada sous-chef (Vinette Robinson), o cozinheiro pistola (Ray Panthaki), o ajudante preguiçoso (Malachi Kirby), a novata estrangeira (Izuka Hoyle), o aprendiz sensível (Stephen McMillan), o ajudante preguiçoso (Daniel Larkai) e a gerente que todos detestam (Alice Feetham). Por limitações de tempo, eles são apenas apresentados minimamente, mas suas demonstrações de empatia – e fúria – uns com os outros são a força-motriz do longa.
GOSTO FORTE E MEMORÁVEL
À frente do elenco, Graham está ótimo como o protagonista de “Boiling Point”. É certo que o papel continua a esteira de homens instáveis à beira de um colapso nervoso que o ator viveu nas telonas nos últimos anos, mas ele é astuto em trazer o público completamente para o seu lado. Com um divórcio complicado e recente, um filho ao qual não consegue dar atenção, uma dívida a um rival e as pressões do trabalho, a pergunta sobre Andy não é se ele vai surtar, mas quando.
Para lidar com tudo, ele se joga de cabeça em drogas e álcool e ataca verbalmente seus colegas de maneira implacável. Nesse sentido, o filme apela para os clichês de filmes sobre chefes de cozinha de comportamento duvidoso na corda bamba (à la “Pegando Fogo“, de 2015, por exemplo). No entanto, a produção se sai melhor quando pequenos dramas do staff ganham destaque, como a delicada situação de Andrea (Lauryn Ajufo), que sofre racismo na mão de clientes. Nesses momentos, o filme serve como um retrato da dura realidade dessa classe de trabalhadores.
A graça de “Boiling Point” é sempre manter a ação em um nível que faz a plateia pensar que isso poderia acontecer em uma jornada de trabalho qualquer. O caminho fácil para contar essa história seria criar uma noite dos horrores, com tudo dando errado, para enfatizar o drama – mas Barantini não faz isso. De fato, algumas coisas saem gravemente do eixo no filme, mas a tensão que ecoa na tela vem de acontecimentos anteriores. O prato que o diretor serve é cozido lentamente – e justamente por isso, tem um gosto forte e memorável.