“Assassinos da Lua das Flores” está entre nós, e é mais um belo filme do mestre Martin Scorsese, no qual ele faz seus dois grandes “musos inspiradores” contracenarem pela primeira vez num trabalho dele, os astros Leonardo DiCaprio e Robert De Niro.

Às vezes, acontecem no cinema umas relações especiais entre atores e diretores, nos quais um parece energizar o outro do ponto de vista criativo, e juntos eles conseguem realizar algo mágico que provavelmente não conseguiriam sozinhos. Aconteceu com Marcello Mastroianni e Federico Fellini, Toshiro Mifune e Akira Kurosawa, Penélope Cruz e Pedro Almodóvar, Cary Grant e Alfred Hitchcock, Liv Ullmann e Ingmar Bergman… É algo que vai além da mera afinidade ou amizade, é um relacionamento artístico de duas personas tão em sincronia que são capazes de voos muito altos.

Com Scorsese aconteceu duas vezes, o que é difícil de se ver por aí. Mas ambas as parcerias que o diretor estabeleceu marcaram a história do cinema. Então, sem mais delongas, vamos revisitar as obras da parceria Scorsese/De Niro.

10. NEW YORK, NEW YORK

Este é a dramatização de um conflito, entre a Nova Hollywood e o amor que os diretores do período – especialmente Scorsese – tinham pelo cinema à moda antiga. Ele é dramatizado no caso de amor, destinado ao fracasso, entre o saxofonista vivido por De Niro e a cantora interpretada por Liza Minnelli. É um filme estranho, que num momento se esbalda na fantasia de um número musical, e no outro aborda a crueza de um relacionamento entre duas pessoas difíceis. Em meio às suas 2h43, há alguns grandes momentos, mas New York, New York acaba provando mesmo que o casamento entre o novo e o velho era mesmo impossível, e o resultado é um longa curioso, tanto interessante quanto frustrante.

9. O Rei da Comédia (1983)

Um fracasso na época do lançamento, este é um dos trabalhos de Scorsese, e também de De Niro, que melhor envelheceu. A história do figuraça Rupert Pumpkin – a seu modo, outra criação de De Niro tão louca quanto Travis Bickle – que persegue e sequestra seu ídolo, um apresentador de TV (um inspirado Jerry Lewis), tudo por uma chance de estrelato, fala da nossa fascinação por celebridades muito antes de aparecerem Big Brothers e afins. Hoje O Rei da Comédia é lembrado como uma das inspirações de Coringa (2019), mas basta comparar os dois para perceber como o filme de Todd Phillips sai perdendo feio…

8. Cabo do Medo (1991)

Esse aqui foi outro projeto que o astro levou para o diretor, porque De Niro queria muito, mas MUITO MESMO, fazer o papel do psicopata Max Cady nesse remake do suspense O Círculo do Medo (1961) – o personagem foi antes vivido de forma memorável por Robert Mitchum. E no fim, deu muito certo. O filme foi um sucesso de bilheteria para Scorsese, e ele precisava de um, e de quebra De Niro e a jovem Juliette Lewis conseguiram indicações ao Oscar. É outro que envelheceu bem demais, um exercício de suspense que demole o ideal americano de família perfeita, através da figura de Cady, um vilão que entrou para a história.

7. CASSINO (1995)

Muitas vezes comparado desfavoravelmente com Os Bons Companheiros – e de fato os filmes são parecidos em tom – Cassino, no entanto, merece respeito e tem ingredientes próprios o suficiente para se auto sustentar. Primeiro, porque é épico, e segundo pelo paralelo que faz entre os Estados Unidos e a jogatina mafiosa que criou Las Vegas. E também pela memorável participação de Sharon Stone no filme: ela rouba o longa de De Niro e Pesci e representa uma personagem feminina marcante, na filmografia de um diretor muitas vezes criticado – injustamente – por ignorar as mulheres.

6. Caminhos Perigosos (1973)

Há cinquenta anos, esse foi o filme que colocou os nomes dos jovens Scorsese e De Niro no mapa. O ator, na verdade, aqui é coadjuvante, fazendo o papel do (maluco) Johnny Boy, melhor amigo do protagonista Charlie vivido por Harvey Keitel, um homem dividido entre o que aprende na Igreja e o que vê nas ruas. Charlie ama cinema, mulheres e sua vizinhança de Nova York (quase o próprio Scorsese), mas são seus amigos, os quais não consegue largar – especialmente Johnny Boy – que ameaçam sua vida. Visto hoje, o filme parece um ensaio para outros que Scorsese faria depois. Mas sua energia e seus conflitos são próprios, e anunciaram a chegada de dois titãs.

5. “ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES” (2023)

Apesar de ter De Niro, e de ele estar muito bem, DiCaprio é o protagonista desta visão trágica sobre um incidente terrível da história norte-americana, os assassinatos dos indígenas da tribo Osage devido ao petróleo descoberto em suas terras. Junto com o roteiro e a direção, o personagem dele não perde a complexidade: corrupto e venal, mas ao mesmo tempo capaz de amor pela sua esposa, e vítima – a excepcional Lily Gladstone. Acima de tudo, o filme mostra o quanto a parceria evoluiu: tanto o ator principal quanto a direção estão absolutamente seguras e em sincronia.

4. O Irlandês (2019)

Décadas depois, De Niro e Scorsese se reencontraram para a sua (aparente) despedida dos filmes de máfia – e de quebra ainda trouxeram para a festa Joe Pesci e Al Pacino, pela primeira vez trabalhando com o diretor. E que despedida: Reconhecendo a importância dos seus atores e a sua própria, o diretor cria outro épico sobre amizade, lealdade, e como a violência acaba por destruí-las. Menos frenético e mais reflexivo que seus filmes anteriores de gângsters, O Irlandês é um filme de um cineasta maduro, olhando para o passado através dos olhos de um personagem que matou muita gente, incluindo a si mesmo, embora não percebesse então. E, claro, foi um prazer aqui voltar a ver De Niro com um papel e uma atuação magistrais, depois de tantos anos vendo-o ganhar o pão de cada dia com comédias bobas. Ele sentiu falta do seu diretor favorito.

3. Taxi Driver (1976)

O segundo filme que Scorsese fez com De Niro é uma obra-prima do que se convencionou chamar “Nova Hollywood”: Um mergulho sem concessões a um mundo estranho, a Nova York dos anos 1970, pelos olhos de um psicopata à beira da explosão, o Travis Bickle vivido com assombro pelo ator. É um caso em que a arte se mostrou capaz de lançar luz sobre algo que estudos sociais ou mesmo a psicologia às vezes não explicam: como a inadequação masculina às vezes produz monstros. Na minha opinião, aqui o diretor e o ator – junto com o incrível roteiro de Paul Schrader – conseguiram criar o maior estudo de personagem do cinema.

2. Touro Indomável (1980)

A parceria De Niro e Scorsese foi além do trabalho: o próprio diretor diz que o ator, e seu amigo, lhe salvou a vida quando, após uma overdose quase fatal, De Niro lhe apresentou à biografia do boxeador Jake LaMotta e propôs trabalharem no projeto. O resto é história: os dois homens colocaram seus demônios na tela, ao filmar a vida de um homem violento dentro e fora dos ringues. Ao mesmo tempo, encontraram um tipo de redenção, mas não aquela comum à maioria dos filmes ou dramas esportivos. De quebra, De Niro ganhou mais um Oscar, e Scorsese devia ter ganho o seu.

 1. Os Bons Companheiros (1990)

Ora, aviso que este é o meu filme favorito de Scorsese, dentre todos. Mesmo com De Niro tendo menos destaque aqui que nos longas anteriores, ele ainda é uma bateria que alimenta a energia de Scorsese aqui, e o diretor faz um filme de gângsters como nunca se havia visto antes. A história de Henry Hill (Ray Liotta, nunca melhor), que só queria ser um gângster por toda a sua vida, e da sua esposa Karen (a sensacional Lorraine Bracco), combinada com as presenças de De Niro e Joe Pesci, resultou numa obra que influenciou dezenas de outras, em diversos países do mundo, e uma aula de cinema na qual montagem, música e o poder da câmera nos colocam, por 2h20, no mundo paralelo e bizarro do crime e da Máfia, e nos fazem compreendê-lo como poucos conseguiram antes, ou desde então.