“A essência da política, dos mecanismos do mercado e da vida social é a luta”*.
Bom, em um pensamento social nem tão complexo e profundo, entendemos que a vida é feita de luta, de garra, força para suprir as necessidades, a ausência das oportunidades e aos acessos negados.
Em uma linguagem mais contemporânea, nos dias atuais, vemos essas diversas lutas diárias de vida, pela sobrevivência nada mais que uma visão romântica e idealizada para impulsionar aqueles que estão abaixo de um elo dominante a serem máquinas e trazer mais lucro aos seus patrões.
Mais o que essa linha Weberiana tem a ver com o filme Raça e Redenção (2019)? Eu te respondo: tudo! Essa pegada social é uma introdução na questão da dominação social entre o elo dominante e o dominado. Sabemos que há classes sociais, divisões sociais e imposições sociais. E o filme, ainda que negligencie uma coisa ou outra, acerta superficialmente em algumas questões.
AS TENSÕES DE 1971
Baseado em fatos e no livro The Best Of Enemies: Race and Redemption in the New South (2007), de Osha Gray Davidson, a produção volta ao ano de 1971, quando ainda era explicitamente latente a segregação racial nos EUA, especialmente na cidade de Durham na Carolina do Norte, onde se passa a trama. Enquanto o movimento negro ganha força e voz, o Ku Klux Klan se edifica cada vez mais na busca da superioridade branca.
Neste meio tempo, entre brigas, mortes e ameaças, a escola primária para crianças negras pega fogo e membros do movimento negro, liderado por Ann Atwater (Taraji. P. Henson) buscam a única solução possível: a integração social entre as crianças negras e brancas.
Obviamente, a “raça pura”, liderada por seu presidente, C.P. Ellis (Sam Rockwell), vai contra e há um colapso na cidade que, durante duas semanas, entra em uma espécie de plebiscito, com discussões calorosas, arbitrariedade, reuniões, para buscar uma melhor solução para todos.
VOZES SEMPRE SILENCIADAS
Voltando à questão da dominação, Max Weber nos diz que “os meios utilizados para alcançar o poder podem ser muito diversos, desde o emprego da simples violência até a propaganda e o sufrágio por procedimentos rudes ou delicados: dinheiro influencia social, poder da palavra, sugestão e engano grosseiro”*.
Podemos perceber, portanto, a premissa básica em viver em uma sociedade desigual e racista. Pois o racismo não é de hoje e cada vez mais se enraíza no pensamento social sumariamente branco e elitista. Cadê os direitos básicos? Ao longo de Raça e Redenção, vemos todos os exemplos que Weber nos fala de dominação: o dinheiro e a influência social representadas por políticos brancos, de meia idade e racistas que não querem essa integração social, o poder das palavras e das ações aos corpos negros que só querem viver dignamente.
E dominar é isso: não precisa um sujeito ser rico e com influência para dominar os corpos negros; basta reproduzi-los. Ao fazê-lo, você reafirma uma proposta social em negar aos negros todos e quaisquer acessos, principalmente o educacional. Quando um aluno negro do 3° ano do Ensino Médio afirma que conseguiu se graduar com livros da 9° série em uma passagem da produção, deixa uma sensação de vazio.
É inevitável não pensar que mesmo hoje, os negros seguem dominados pela supremacia branca. Ainda que haja voz, haja luta, suas vozes estão sempre sendo silenciadas e ceifadas ao final do dia, pois é legitimado e aplaudido.
O PERIGOSO WHITE SAVIOUR
Dirigido por Robin Bissell (“Jogos Vorazes”, 2012), Raça e Redenção peca por ser longo e um tanto enfadonho, principalmente por cair nos estereótipos: Taraji P. Henson é uma excelente atriz, mas sua personificação de líder mais parece o estigma da matriarca negra, mandona e sem papas na língua, ainda que tenha uma ideia em mente e esteja certa.
Sam Rockwell, outro ótimo ator, mas que ultimamente está preso nessa persona fascista/racista como em “Três Anúncios Para Um Crime” (2017) e “Jojo Rabbit” (2019), deixa um ar mais pesado na tela. Suas performances não são comprometedoras, mas poderiam ir para outro caminho.
E quando falamos de dominação, falamos também do perigoso White saviour, sempre tão presente quando abordamos questões raciais. Não há mais um interesse nesse protagonismo branco, não condiz mais com a realidade e narrar uma história importante como esta, dando voz aos dois lados, mas beneficiando o lado dominante, não soluciona e nem denuncia o problema, apenas reproduz esse pensamento supremacista.
E essa condição não pode mais ser tolerada. Quem dera fosse que todos os males sofridos pelo povo negro se solucionassem com um discurso bonito e um aperto de mão.
*BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira, Quintaneiro, Tânia. Max Weber. QUINTANEIRO, TÂNIA, et al. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2° ed. rev. amp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.