Longe de pela primeira vez e certamente não pela última, o cinema recebe mais uma adaptação de “Macbeth”– agora concebida por Joel Coen, metade da oscarizada dupla de irmãos cineastas. O lançamento largamente digital do longa exibido no Festival de Londres deste ano – que acontecerá no serviço de streaming Apple TV+ – mostra que os tempos mudaram, mas o resto, em essência, continua o mesmo. A despeito do visual aprumado e de boas performances, pouco distingue esta versão das inúmeras já rodadas a partir da peça de Shakespeare.

A produção, intitulada “The Tragedy of Macbeth”, acompanha o personagem-título e sua esposa (Denzel Washington e Frances McDormand, respectivamente) sucumbindo à sede de poder e matando o rei da Escócia (Brendan Gleeson), o que desencadeia uma série de outros assassinatos e leva o casal à paranoia e à loucura.

UM FILME DE ATORES

Joel Coen, que também escreveu a adaptação, optou por tirar tudo o que poderia situar a trama em um tempo e lugar específicos – leia-se: a Escócia medieval – e focar-se apenas nos conflitos-base da história. Gravado inteiramente em um estúdio na Califórnia em um austero preto e branco pelo diretor de fotografia Bruno Delbonnel (parceiro em “Inside Llewyn Davis” e “A Balada de Buster Scruggs”), “The Tragedy of Macbeth” acontece em um labirinto de formas, linhas e sombras que, ao querer sair do caminho das atuações, acaba chamando muita atenção para si mesmo. Há muito estilo, mas pouca substância.

Durante a coletiva de imprensa após a apresentação da produção em Londres, o elenco principal falou com entusiasmo sobre as oficinas que serviram de ensaio para o filme e é claro para o espectador que este é um projeto para atores – e em defesa do longa, todos estão em boa forma.

Dos protagonistas, Washington se sai melhor, entregando um Macbeth cheio de ginga e perspicácia – um guerreiro calejado e cansado que realmente acredita que seu último ato insano poderá lhe dar a paz e segurança que tanto almeja.

Já entre os coadjuvantes, Alex Hassell é um destaque, dando vida a um Ross cujo papel expandido nesta versão o faz roubar a cena sempre que aparece. Sua presença ambígua e manipuladora, combinado com seu uniforme aparentemente feito para as passarelas (cortesia da figurinista Mary Zophres), o tornam o personagem mais ameaçador em cena.

AMBIÇÃO FALHA

Infelizmente, o trabalho dos atores não é suficiente para trazer frescor à história, missão na qual a decisão de manter o diálogo no estilo shakespeariano não ajudou. Pelo contrário, esta adaptação de “Macbeth” apenas reforça – de maneira pouco lisonjeira – as conexões temáticas entre a peça e o conjunto da obra do cineasta.

Afinal, esta é a história de um homem que comete um crime e se vê tentando encobrir seus atos diante de um mundo amoral pronto para aniquilá-lo – uma premissa digna do cinema noir que remete a sucessos melhor realizados de Coen, como “Fargo – Uma Comédia de Erros” e “Onde os Fracos Não Têm Vez”. Como muitos de seus personagens, o cineasta se arrisca em “The Tragedy of Macbeth” em prol de uma ambição – e, também como eles, falha.