Tem algo que me chama muito atenção em “Trovão Sem Chuva”: o apego a ancestralidade. O curta-metragem dirigido por Bruno Bini, com Adanilo (“Aquela Estrada”) e o saudoso Severiano Kedassere (“A Terra Negra dos Kawa”) no elenco, utiliza elementos lúdicos da cultura indígena para remontar, de certa forma, o processo de colonização do Brasil.

Acompanhamos cinco guerreiros indígenas que saem para caçada. Entre aprendizados com o ancião do grupo e a busca por alimento, eles encontram uma indígena prestes a dar à luz. Interpretada por Eunice Baia, a eterna Tainá, ela cativa a atenção de Meri Ekureu (Adanilo Reis), que disputa ser seu protetor com outro indígena. Esse é só o primeiro indicativo do que a presença dela e seu bebê trariam ao grupo.

Para contar essa história, Bini utiliza de elementos da cultura indígena que, devido ao avanço da conquista europeia no continente, entraram em desuso. Entre cocas diferenciados, pinturas denotativas de tribos e costumes de acolhimento, os diálogos são todos na língua ancestral nativa. Escolha que enriquece a narrativa e mostra novos caminhos a serem abordados na busca por raízes ameríndias.

NECESSIDADE DA MULTIPLICIDADE DE PERSPECTIVAS

Para esse processo de autodescobrimento étnico, contribui o fato do elenco ser majoritariamente indígena ou com traços que remetam aos povos tradicionais. Os diálogos se tornam mais críveis e impactantes com parte disso se devendo ao trabalho de corpo dos atores. Nesse quesito, destaco Kedassere e Adanilo. O veterano oferece um vislumbre do poder e respeito que os anciãos têm dentro de um grupo indígena, enquanto o artista amazonense destaque no recente “Marighella” evidencia o quanto está em franco desenvolvimento e pronto para investir em trabalhos em que seu corpo indígena e sua ancestralidade sejam o cerne da projeção, mais uma vez, manifestando outras jornadas para as quais o cinema brasileiro precisa se expandir.

Assim, as escolhas cinematográficas adotadas por Bini e sua equipe dão a trama ares de um épico ameríndio. A escolha do uso de primeiros planos destacando o rosto e, consequentemente, a expressão dos atores, captando também detalhes da cultura indígena expressa pela direção de arte, conectam o público a história contada e aos conflitos que passam seus personagens. O uso da fotografia em preto e branco com contraste alto foge da ideia de natureza extravagante que ronda o imaginário em relação a floresta nacional. Além de indicar um clima sombrio e austero sobre a produção.

Todos esses detalhes são importantes para a compreensão do processo de formação social brasileiro. A reviravolta narrada ao final do filme salienta o quanto estamos de costas para a ancestralidade e abraçados com a cultura, os costumes e linguagem colonizadora. De forma perspicaz e naturalista, “Trovão Sem Chuva” busca apertar a ferida sem ser panfletário ou taxativo, apenas relatando o resumo da história brasileira.

O trato a ancestralidade dado em “Trovão Sem Chuva” reafirma a importância da multiplicidade de perspectivas no cinema de um país continental. Bini mostra um Brasil que precisa ser visto, celebrado e relembrado insistentemente. Afinal, a história da trágica colonização e da resistência dos povos tradicionais também é a nossa História.

MAIS CRÍTICAS NO CINE SET: