“Não fazes favor nenhum em gostar de alguém, nem eu”

Isabel Coixet escolhe a canção interpretada por Nana Caymmi para finalizar seu mais recente trabalho: “Elisa e Marcela”. Disponível no catálogo da Netflix, a produção se baseia na história real de duas mulheres que vivem um romance na Espanha de 1901.

A trama acompanha Elisa Loriga (Natalia Molina) e Marcela Ibeas (Greta Fernández). As duas se conhecem enquanto estão na formação para professoras e desenvolvem um sentimento tão forte, a ponto de anos depois, Elisa usar a identidade de um primo falecido para poder se casar com Marcela.

A narrativa de “Elisa e Marcela” consegue ser eficaz em colocar as duas personagens centrais com personalidades distintas. De um lado, há Marcela que não abraça porque nunca foi abraçada na infância. Abandonada pelos pais, morou em um orfanato até os 10 anos de idade, quando eles ressurgem e a buscam. Mesmo assim, é perceptível a falta de afeto em seu lar. Em contraponto, apresenta-se Elisa: criada pela tia, ela é corajosa, impetuosa e está disposta a correr todos os riscos para viver ao lado da pessoa que ama. Elas carregam uma tensão sexual e uma proximidade emocional expressa por pequenos gestos e olhares.

VAZIO ECOA DENTRO DE BELA PROPOSTA

O problema é que, apesar dessa distinção, ambas carecem de tridimensionalidade. E isso reverbera na profundidade do filme como um todo. O desenvolvimento da trama é lento. A relação entre as personagens na primeira hora de projeção busca levar o público a se aproximar e criar empatia pelo romance. Coixet conduz o espectador por uma poesia que, às vezes, é erótica, mas, na maior parte do tempo, se torna apenas maçante. Um exemplo disso está na fotografia de Jennifer Cox.

Enquanto nas cenas de sexo, os ângulos escolhidos são dignos de quadros artísticos renascentistas, remontando a composições poéticas e cheias de afeto; ao sair desse momento íntimo, a atmosfera dramática e pesada perde o primor imagético acurado que fora presenciado outrora. É como se a beleza estivesse apenas no romance e a poesia só pertencesse a Elisa e Marcela.

Isso torna opaco o pequeno vilarejo espanhol de onde a história flui. A escolha de rodá-lo em preto e branco procura reverberar um tempo distante e sombrio, mas, a ausência de profundidade em captar as outras personas deixa esse clima apenas na proposta. Parte disso se deve, também, a trilha sonora, responsável por criar uma espécie de suspensão da realidade para aquele momento específico.

A impressão que “Elisa e Marcela” transmite é que Isabel Coixet trouxe uma narrativa de um tempo distante para exemplificar como o preconceito busca eliminar sentimentos sinceros quando não se encaixam no padrão estipulado pela sociedade. É uma pena que nesse caminho ela tenha derrapado na proposta.

‘Em Busca de Fellini’: introdução ao genial diretor para a geração TikTok

Amo a Itália e aquilo que ela representa culturalmente. Um dos meus passatempos favoritos é assistir produções visuais e ler histórias que se passam no país. Logo, a trama de uma garota que decide largar tudo para conhecer as ruas captadas por Federico Fellini me...

‘O Massagista’: brechas incômodas atrapalham boa premissa

Dirigido pelo filipino Brillante Mendoza e lançado em 2005, “O Massagista” - selecionado como parte da seção Open Doors do Festival de Cinema de Locarno deste ano - é uma produção que tem mais potencial do que sua execução consegue realizar, embora possa ser de...

Semana Claire Denis – ‘35 Doses de Rum’: a magia da vida cotidiana

Para muitos, o cinema é a arte dos sonhos. Viver momentos que só existem nesse ambiente. O que importa são as grandes cenas de ação, os melodramas que comovem seus personagens a agir. É o close, é a câmera na mão correndo atrás de alguém, é a cena de solidão na morte...

Semana Claire Denis: ‘Minha Terra, África’ (2009): cinema de fluxo na guerra armada

Chega a ser curioso notar que uma das cineastas mais interessantes de sua geração, Claire Denis, seja tão pouco conhecida pelo grande público. Nome respeitadíssimo dentro do circuito dos festivais de arte e do meio audiovisual europeu, Denis é uma diretora que você...

Semana Claire Denis – ‘Bom Trabalho’ (1999): ótica inovadora do cotidiano militar

Constantemente, eu falo nos textos e vídeos do Cine Set sobre a massiva presença de diretores e roteiristas homens ao retratarem narrativas femininas. Entretanto, confesso que nunca pensei na chance do contrário acontecer e, felizmente, pude contemplar esta...

Semana Claire Denis – ‘Chocolate’ (1988): memórias de uma África Colonial

A pandemia de Covid-19 fez com que a distância se tornasse uma convenção social em prol da saúde. Talvez este seja o motivo que, ao observar um filme como “Chocolate”, ela se torne algo incômodo. Em 1988, Claire Denis estreava na direção de longas-metragens com um...

‘Não é o homossexual que é perverso, mas a situação em que ele vive’: o ácido tratado de Rosa von Praunheim

O Brasil de 2019 vive um momento no qual nosso presidente acha pertinente vetar o financiamento de produção audiovisual que trabalhe a temática LGBT+ e o prefeito do Rio de Janeiro decide agir como um típico censor ao mandar recolher livros por causa de um beijo. Ao...

‘Old-Timers’: humor na busca de vingança gera ótima comédia tcheca

Com pouco tempo de vida pela frente, dois velhos amigos partem para encontrar e matar um promotor comunista que os prendeu na década de 1950. Essa é a premissa de “Old-Timers”, comédia que teve uma recepção muito calorosa no Festival Internacional de Cinema de Karlovy...

‘Monos’: coming-of-age da Colômbia com ecos de ‘O Senhor das Moscas’

Crescer não é fácil, mas certamente fica ainda mais complicado se você é membro de um esquadrão paramilitar em uma região selvagem e desolada. “Monos”, novo filme do diretor colombiano Alejandro Landes, cria uma psicodélica jornada de crescimento que pode ser estranha...

‘Na Fábrica’: o vestido assassino do mestre da estranheza da atualidade

Nova produção do diretor britânico Peter Strickland, “Na Fábrica” conta a bizarra história de um vestido com instinto assassino. Você pode ler isso de novo. Depois de aclamadas passagens pelos festivais de Londres e Toronto em 2018 e uma ótima recepção no Festival...