Quando eu era criança e assistia a documentários da natureza com minha família, me lembro de sempre perguntar a meus pais: “como eles filmaram isso?”. A mesma sensação de deslumbramento retornou ao assistir “Professor Polvo”, documentário dirigido por Pippa Ehrlich e James Reed, que combina belíssimas imagens da natureza com uma história um pouco estranha, mas, mesmo assim, muito humana.

“Professor Polvo” conta o que aconteceu com Craig Foster, cineasta, amante dos oceanos e conservacionista marinho. Enquanto passava por um período de dificuldades profissionais e de depressão pessoal, Foster conheceu e acompanhou por alguns anos um polvo-fêmea enquanto mergulhava na costa da Cidade do Cabo, na África do Sul. Acompanhamos sua história pelo seu próprio depoimento em frente à câmera, pelas imagens que ele gravou da época e imagens atuais também. O contato com o molusco ao longo do tempo acabou provocando mudanças na vida dele e tirando-o da baixa emocional em que se encontrava.

É quase um relato em primeira pessoa e a forma honesta com que Foster se abre para a câmera nos primeiros minutos do filme se torna convidativa para o espectador. Isso e as belíssimas imagens do filme são as grandes qualidades de Professor Polvo. As cenas no fundo do oceano despertam aquela sensação de assombro diante da natureza, impressionam pelo seu aspecto não intrusivo, e são elas que ficam na memória ao fim da experiência.

LEVE MANIPULAÇÃO EMOCIONAL

Essa qualidade tão pessoal acaba cobrando um preço porque se torna pessoal em excesso em alguns momentos. Foster, e por consequência Ehrlich e Reed, antropomorfizam muito a estrela de oito patas do filme. Talvez seja algo compreensível para alguém que estava passando pelo que ele passou, mas a relação entre ele e o molusco atinge quase níveis de um caso de amor, um “octo-romance”, por assim dizer. Numa cena, Foster quer entender o que se passava nos olhos do animal; noutro, diz que se sentiu “desmembrado” depois de ver o polvo ser atacado. Momentos como esse passam um pouco além da conta…

O enfoque é mais emocional do que realmente científico, e nada contra, esse é um ponto de vista válido. Além disso, felizmente a antropomorfização no filme não chega a níveis de A Marcha dos Pinguins (2005)… Mas é difícil perder a impressão de que os cineastas de “Professor Polvo”, às vezes, não resistem a um pouquinho de manipulação emocional.

Ainda assim, é um filme com bom coração e boas intenções que sobrevive apesar dessas falhas. Ao final, somos deixados com uma oportuna reflexão sobre o papel da natureza em nossas vidas e como, em nossa arrogância e visão limitada, às vezes não damos valor ao simples convívio com o mundo natural, que pode ser a nossa salvação. O tom conservacionista de “Professor Polvo” é sóbrio e não é martelado na cabeça do espectador. Mas sua mensagem de valorização da natureza é clara. E para além das belas imagens e da magnificência do mundo natural, pode-se extrair do filme um significado mais humano. O de que a empatia, que pode surgir também entre um ser humano e algo inumano, é um sentimento capaz de curar.

Crítica | ‘O Dublê’ – cinema de piscadela funciona desta vez

David Leitch: sintoma do irritante filão contemporâneo do cinema de piscadela, espertinho, de piadinhas meta e afins. A novidade no seu caso são as doses nada homeopáticas de humor adolescente masculino. Dê uma olhada em sua filmografia e você entenderá do que falo:...

‘Rivais’: a partida debochada e sensual de Luca Guadagnino

Luca Guadagnino dá o recado nos primeiros segundos de “Rivais”: cada gota de suor, cada cicatriz, cada olhar e cada feixe de luz carregam bem mais do que aparentam. O que parece uma partida qualquer entre um dos melhores tenistas do mundo e outro que não consegue...

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...