Em O Operário (2004), Trevor Reznik (Christian Bale) é um trabalhador que sofre de uma insônia aguda e está sem dormir há um ano. Já vimos os efeitos desse sintoma muito bem representados por Edward Norton em Clube da Luta (1999). No filme aqui em questão, o personagem começa a ser atormentado por estranhas visões, que o fazem confundir imaginação com realidade. Inicia-se então o terror psicológico.

Acreditamos que Trevor teve um surto após ter atropelado e matado uma criança, sem prestar socorro. A esquizofrenia, um desdobramento da estrutura psicótica, é justamente marcada pela cisão do Eu, na qual as experiências não se integram para dar suporte à noção do eu (maneira como a pessoa se percebe)

A falta de simbolização e o recurso às palavras é precário. Tal simbolização (representação na consciência da experiência) é distorcida, de forma que aquilo que é do outro é reconhecido como se fosse dele. O outro me invade e eu me alieno a ele. A própria palavra alienação já trás sua marca: “alien”, aquilo que vem de fora, que é externo. O outro é visto de uma forma desfigurada, ambígua, fragmentada. Essa ideia é claramente representada por Ivan, o funcionário que Trevor acredita sem dúvida alguma não só estar trabalhando na fábrica mas também estar sempre presente aos lugares que frequenta. A certeza subjetiva é outra característica da Psicose.

A partir daí, Trevor passa desesperadamente a descobrir quem ele é, em resposta à pergunta-gatilho do primeiro post-it que ele encontra pregado em sua geladeira com os dizeres “quem é você?” Tal pergunta reaparece no final da trama, quando Trevor tem uma dura tomada de consciência: depois de um jogo da forca criado por ele mesmo – com as duas últimas letras “e” e “r” – ele tenta encaixar alguns nomes como Tucker e Miller, até finalmente se descobrir Killer (assassino) e lembrar-se realmente do que aconteceu.

É muito interessante, pois, após esse entendimento de quem ele é, Trevor se entrega à polícia e, finalmente, consegue dormir.

‘Pequena culpa pode ser duradoura’

“O Operário” dá pistas o tempo inteiro a que de fato o tormento de Trevor está lidando, como nos seus flashbacks dentro do trem-fantasma; mas a montagem é tão bem construída que realmente deixa o telespectador curioso e indagado todo o tempo.

Como já foi dito, o acidente seguido da fuga de Trevor é o que desdobra em seu pior pesadelo: as consequências da culpa. Se pensarmos e aprofundarmos esse sentimento, podemos concluir que experienciá-lo é, em grande parte, voluntário. Inúmeras situações poderiam ser evitadas e, por conseguinte, a vivência da culpa. Quando Trevor foge, é ele próprio que abre espaço para seu adoecimento mental e físico. O filme menciona tal sentimento em algumas cenas, como em uma que Stevie (Jennifer Jason Leigh) diz a Trevor: “uma pequena culpa pode ser duradoura”.

Percebemos destaque do livro que o personagem está lendo, O Idiota, de Fiódor Dostoiévski. No livro, assim como vemos em Trevor, estão tentando a reinserção social sem terem ideia do que os aguarda.

Impossível não citar como o sentimento da culpa também é duramente retratado no magnífico Desejo e Reparação (2007). Assim como no filme de Joe Wright, em O Operário percebemos que não há como reparar certas escolhas na vida.

A interpretação de Christian Bale é um show à parte. Desde Império do sol (1987), seu primeiro filme (aos 13 anos de idade), sua atuação brilhante e emotiva já nos havia chamado a atenção. Em nossa opinião, Bale se destacou mais do que seus veteranos companheiros de tela John Malkovich, Miranda Richardson e até Ben Stiller, também em início de carreira. Para o papel em O Operário, o ator perdeu impressionantes 28 kg. Nos seis meses seguintes, recuperou os 28kg e ganhou mais 56 para incorporar Bruce Wayne em Batman Begins (2005). A versatilidade do ator é incrível, com destaque para suas mudanças físicas; uma coisa que chega a ser assustadora de se ver. Nós, cinéfilos, aplaudimos.

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