Quando pensamos em cinema mexicano nos últimos 10 anos, principalmente, quando se trata de direção, três nomes nos vem à mente: Alfonso Cuarón, Guillermo del Toro e Alejandro González Iñárritu. Esse último, um dos nossos preferidos, se distingue dos outros dois pela sua incrível capacidade em mostrar a condição humana na sua forma mais pura. Enquanto que Cuarón e del Toro se dedicam mais às ficções científicas e às fantasias, o cinema de Iñárritu é mais denso e complexo por tratar de temas mais realistas e polêmicos, tendo muitas vezes como foco os marginalizados e discriminados pela sociedade.
Essa característica peculiar dos seus filmes está presente desde o seu primeiro trabalho como diretor, o exepcional Amores Brutos (2000) – um filme nu e cru, violento, de atmosfera pesada, onde os personagens buscam amor, dinheiro e vingança. Posteriormente em 21 Gramas (2003) e Babel (2006), ganhou espaço e respeito dentro da indústria cinematográfica mundial. Ganhador do Oscar de melhor diretor duas vezes consecutivas – Birdman ou A inesperada virtude da ignorância (2015) e O Regresso (2016) -, Alejandro González Iñárritu consagrou-se como um dos maiores diretores da atualidade. Além de vários outros prêmios acumulados, o diretor também geralmente participa da elaboração de roteiros, produção e equipe técnica das obras que produz.
Em Biutiful (2010), passados 11 anos desde seu lançamento, os assuntos abordados no filme estão ainda bem atuais. Além de temas considerados mais macros, como venda de drogas e exploração/tráfico da mão-de-obra humana, o aspecto da sobrevivência do personagem principal custe o que custar é escancarado ao espectador. Temos, assim, dois vieses possíveis de exploração nessa breve crítica. Optaremos pelo aspecto o mais individual, o que é justamente aquele que assombra Uxbal e do qual podemos trazer a contribuição da Psicologia.
UXBAL SOB A ÓTICA DA PSICOLOGIA HUMANISTA
Javier Bardem, em mais uma interpretação magistral (e que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor ator), nos entrega um personagem daqueles que, mesmo com suas atitudes incorretas, nos faz torcer para que as coisas deem certo no final. Uxbal ajuda imigrantes ilegais chineses e africanos a ‘trabalhar’; alguns fabricando acessórios de moda falsificados e outros vendendo drogas no centro da cidade. Apesar do que faz ser fora da lei, Uxbal é uma pessoa boa e generosa, que se preocupa e tem empatia enorme pelas pessoas. Tudo que quer é ver essas pessoas bem e levando uma vida digna. Uxbal é um pai que ama seus filhos e luta para cuidar deles, mas que também sofre com as oscilações emocionais da ex-mulher Marambra (Maricel Álvarez, magnífica no papel) – que tem transtorno bipolar – e com o diagnóstico recém-recebido sobre um câncer terminal.
A Psicologia Humanista, considerada a 3ª Força em Psicologia, que surge durante os anos 50/60, tem como pioneiros psicólogos como Abraham Maslow e Carl Rogers. A mesma tem o compromisso de explorar as características e a dinâmica emocional da vida plena e saudável. Além disso, tem ênfase na saúde, no bem-estar e no potencial de crescimento e autorrealização do ser humano, bem como privilegiar as capacidades e potencialidades características específicas do homem. Vemos toda essa filosofia presente em Uxbal. O homem deve ter valor “apenas” por ser homem. Para a Psicologia Humanista, a essência do homem (diferentemente do que propõe a psicanálise) é boa ou neutra. É claro para nós tal natureza em Uxbal.
Chamou-nos a atenção o fato de que Uxbal não se preocupa em dividir com ninguém sobre sua doença; é como se ela fosse o preço a ser pago pela vida que leva. A escolha da instalação de aquecedores baratos que acaba matando todo um grupo de chineses em um galpão, que prestam trabalho clandestino – e por que não dizer escravo -, traz à tona uma emoção e arrependimento em Uxbal, muito verdadeiros e sinceros. Além desse trágico episódio, ele ainda tem que lidar com as situações envolvendo Marambra, a venda de drogas por parte dos africanos e dos difíceis meandros em lidar com a polícia local.
As questões de moral e ética sempre foram complicadas para a humanidade. A definição, além de complexa, varia de cultura para cultura e tem ainda a particularidade da individualidade. Posso simplesmente considerar algo como ético e outra pessoa não. Sem aprofundar muito nesse dilema mais ligado às áreas da Antropologia e Sociologia, o que podemos inferir é que o personagem sofre com as consequência de suas escolhas, e também de assumir a responsabilidade por elas. O caráter ético se Uxbal deveria usar seu dom de ver e escutar espíritos (e ser pago por isso) também é questionável.
NOCAUTE NO ESPECTADOR
A mensagem da obra de Iñárritu é encontrada nos detalhes. Um deles, que dá título ao filme, acontece simplesmente enquanto a filha de Uxbal está estudando e ela, ao perguntar como se escreve ‘lindo’ em inglês, o pai responde soletrando “Biufitul”. É o tipo da cena que se tomarmos um copo d’água, perdemos. Naquele momento, a demanda da filha se mistura com várias outras e assim, fica difícil saber o que priorizar.
Acreditamos o adoecimento ser um caminho para a sobrecarga emocional. Como Uxbal não tem nem tempo de pedir ajuda, o corpo fala por ele…a corrida contra o tempo, em tentar ajeitar as coisas antes de partir, em assegurar-se de que seus filhos vão ser bem cuidadose que vão ficar bem, que Marambra vai ter a ajuda médica que precisa. Uxbal pensa em todos, menos nele mesmo. A grandeza do seu caráter é evidente em todo o filme.
Deve-se assitir à obra com atenção e tempo. “Biutful” tem uma narrativa extensa, que exige paciência e atenção do espectador. O incômodo vem naturalmente por escancarar a realidade humana nua e crua aos nosso olhos; o instinto de sobrevivência acima de tudo. Soco no estômago seria pouco para descrever o sentimento ao terminar. Nocaute talvez seja mais apropriado.