Águas Profundas, disponível no Amazon Prime, é um suspense/drama sombrio com Ben Affleck no papel de um homem preso em um casamento com uma mulher que lhe complica a vida. Durante a trama, algumas pessoas morrem por causa do casal.

Hmm… parece que já vimos isso antes, não? Há alguns anos tivemos Garota Exemplar (2014) também com Affleck. Ah, mas a diferença que um diretor faz: no longa de oito anos atrás, tínhamos David Fincher, um cineasta com domínio poderoso de narrativa e implacável, naquele projeto, navisão cínica sobre relacionamentos e a co-dependência que pode surgir entre homens e mulheres.

Águas Profundas é de Adrian Lyne, um cineasta que viveu bons dias lá nos anos 1980, quando fez obras que marcaram o público e se comunicavam com o zeitgeist como 9 e ½ Semanas de Amor (1985) e Atração Fatal (1987). Mas o que ele fez de melhorzinho em sua carreira ficou lá naquela época. De fato, Lyne estava até aposentado do cinema – o último trabalho tinha sido outro “thriller sexy” morno, Infidelidade (2002), há 20 anos.

Agora, o cara saiu da cama para entregar um Supercine safado, um daqueles antigos filmes para TV, só que agora com produção requintada e atores excessivamente capacitados para o material que têm em mãos.

BAGUNÇA FORA E DENTRO DA TELA

Justiça seja feita, a ideia para o filme é interessante – por ter sido baseado em livro da genial autora de suspense Patricia Highsmith (“O Talentoso Ripley”). Vic (Affleck) e Melinda (Ana de Armas) são um casal bem de vida, têm uma filhinha e parecem felizes. Ambos, porém, estão presos em um joguinho matrimonial inusitado: Melinda vive tendo amantes e, muitas vezes, flerta com eles na cara de Vic e de seus amigos. Quando um deles desaparece, Vic faz uma brincadeirinha e diz que o matou. A história se espalha, mas será que ele assassinou mesmo? Com o tempo, outros supostos amantes dela começam a morrer e a vida do casal ameaça sair do controle.

Com essa boa ideia, Lyne e os roteiristas Zach Helm (Mais Estranho que a Ficção) e Sam Levinson – criador da série Euphoria e diretor de Malcolm & Marie (2021) – tomam todas as rotas que levam ao lugar-comum. Por um tempo, pelo começo do filme, é até divertido ver o absurdo do comportamento de Melinda e a mansidão do corno Vic, porém quanto mais a história avança, fica claro que o comportamento psicológico deles não será explorado, nem os personagens desenvolvidos. Não sabemos por que Melinda e Vic agem daquele jeito, não recebemos nem sequer uma inclinação. Tudo no roteiro é bem superficial e largado, até as muitas pontas soltas que ficam ao final da narrativa.

O final apressado, aliás, sugere refilmagens e remexidas por parte de produtores: afinal, o filme era da Fox quando o estúdio foi comprado pela Disney e, nos Estados Unidos, foi depois enviado para a plataforma Hulu, provavelmente por causa do conteúdo. Como resultado, Águas Profundas nem se conclui, apenas se interrompe – aliás, até a cena que acompanha os créditos finais é equivocada.

PREGUIÇA DOMINA THRILLER

Enfim, se o roteiro não ajuda, o que resta é acompanhar os atores tentando elevar o material. Affleck se sai bem na sua tentativa contida de despertar empatia pelo seu personagem e tem mais uma boa atuação na carreira. E de Armas consegue ao menos elevar um pouco a temperatura do filme com sua beleza e sua atuação intensa. De erótico, Águas Profundas tem muito pouco, embora a atriz se esforce em algumas cenas para criar tensão sexual.

Aliás, é curioso pensar nele como um tipo de retorno do thriller sensual, que Hollywood parece ter deixado de fazer nas últimas décadas. Sem dúvida, é uma iniciativa louvável, hoje, pensar em um cinema para adultos, mas isso não desculpa o roteiro frouxo ou a condução pouco inspirada de Lyne. Na fotografia, aliás, seu filme nem parece fazer muita questão de esconder que está imitando o já referido Garota Exemplar, com sua paleta de cores sombria repleta de preto e verde-escuro.

Que fique claro: Garota Exemplar tem um dos pés no brega e no absurdo, assim como qualquer suspense doméstico do canal Lifetime. Mas equilibra isso com a visão realmente sombria de Fincher, que deixa o espectador até desconfortável em alguns momentos. Já Águas Profundas é a sua versão fast-food, não há desconforto algum, quase nada de sexo e só é sombrio porque o diretor resolveu apagar metade das luzes do estúdio.

Acaba sendo um filme que se acompanha para ver onde vai dar, e que rende umas risadas de vergonha alheia no caminho, mas o destino final deixa a desejar. De resto, pobre Ben. Se ele fizer mais um filme no qual é casado com uma mulher encapetada, já vai poder pedir música no Fantástico.

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