A vida de uma menina peculiar, um homem atormentado e uma garçonete em apuros se entrelaçam em “Earwig”, novo filme da francesa Lucile Hadžihalilović (“Inocência”, “Évolution”). O longa, que teve estreia em Toronto e premiada passagem em San Sebastián, foi exibido no Festival de Londres deste ano e é o primeiro rodado pela cineasta francesa em inglês. A despeito de seu tom deliciosamente gótico, a aborrecida produção exibe uma teia de acontecimentos que não criam um todo satisfatório.

Mia (Romane Hemelaers) é uma menina sob os cuidados do misterioso Albert (Paul Hilton). Sem dentes, ela depende de próteses feitas de gelo para mastigar, as quais precisam ser criadas todos os dias. Quando os empregadores de Albert requerem que a menina seja entregue a eles, ele tem uma crise de consciência e, provocado em uma briga de bar, acidentalmente mutila a garçonete Celeste (Romola Garai) com um caco de vidro. A partir daí, “Earwig” acompanha o esforço do homem para concluir sua missão e a busca de sua vítima por superação e vingança. 

CONEXÃO IMPOSSÍVEL 


O filme se encaixa no filão de fábulas dark, especialidade de Hadžihalilović. Sua obra é definida por protagonistas imersos em um ambiente quase determinista, onde muitas de suas ações se desdobram dentro de uma lógica onírica. Porém, enquanto os projetos anteriores conseguem criar um impacto emocional através do crepúsculo de suas imagens, “Earwig” se perde no emaranhado de símbolos. O resultado é como assistir aos personagens em um jogo do qual a plateia não sabe as regras.

O verniz de fábula e o fato dos longas anteriores da diretora terem girado em torno de personagens mirins criam a falsa sensação de que “Earwig” se centra em Mia. Na realidade, o roteiro de Hadžihalilović e Geoff Cox, como o livro homônimo de Brian Catling no qual se baseia, está mais interessado em Albert e no seu conflito interno.

Porém, a decisão dos realizadores de remover quaisquer detalhes que o tornem um real personagem torna quase impossível para o público sentir qualquer coisa diante de seu suplício. Na forma em que é apresentado aqui, Albert é um arquétipo: um potencial comentário sobre como homens traumatizados pela guerra entregam às próximas gerações, as quais eles não entendem, a futuros incertos.

TÍMIDO DEMAIS 

Diante do descaso no roteiro, sobra para a equipe técnica ter que trabalhar dobrado para fazer da visão da cineasta algo vívido e crível – e mesmo considerando a tarefa hercúlea, eles não decepcionam. A direção de fotografia de Jonathan Ricquebourg e a direção de arte de Julien Dubourg e Julia Irribarria são um primor, concebendo uma Inglaterra pós-guerra cujo ar pesado e cinza parece feito da mesma matéria que os mais perturbadores pesadelos.

Sozinhos, no entanto, eles não conseguem salvar um filme que parece, como seus personagens, preso por situações fora de sua compreensão. A sensação de estagnação narrativa torna os 114 minutos de projeção intermináveis. A despeito de sua obsessão com dentes, “Earwig” é tímido demais para morder. 

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