70 filmes submetidos. 41 vezes indicado. 12 vitórias. 

Estes números tornam a França o país com maior número de indicações ao Oscar de Filme Internacional e o segundo mais vitorioso. 

As marcas impressionantes, entretanto, escondem um dado incômodo. 

A última vitória francesa aconteceu em 1993 quando “Indochina”, do Régis Wargnier e estrelado pela Catherine Deneuve, venceu a então categoria de Melhor Filme de Língua Não-Inglesa. 

De lá para cá, nove indicações, mas, vitória que é bom nada. Neste vídeo, eu apresento os fatores que levam a este jejum histórico apresentando as disputas que a França perdeu e projetando o que esperar de “O Sabor da Vida” para a temporada 2024.  

Será que o drama com a Juliette Binoche surpreende “A Zona de Interesse” 

AS DERROTAS FRANCESAS

Tem anos em que você que é indicado e sabe que vai perder. O Fernando Meirelles em Melhor Direção no Oscar 2004, por exemplo, saiba que não havia a menor condição de duelar contra o Peter Jackson, de “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei”. 

Nestes últimos 30 anos, a França se viu neste cenário em três ocasiões. 

Filme de estreia da Agnés Jaoui, “O Gosto dos Outros” concorreu em 2001. Foi a mesma temporada de “O Tigre e o Dragão”: a obra-prima de artes marciais do Ang Lee transcendeu a categoria dos longas não falados em inglês, chegando à marca de 10 indicações. Não havia a menor possibilidade de alguém ameaçá-lo na disputa. 

O belo “5 Graças” surgiu de forma tímida na corrida do Oscar 2016, quase agradecendo ter sido lembrado. A estatueta acabou mesmo nas mãos de “O Filho de Saul”, sufocante longa húngaro sobre o desespero nos campos de concentração nazista que dominou a categoria de ponta a ponta ao longo da temporada. 

Concorrer no ano de “Parasita” também não foi um bom negócio para “Os Miseráveis”. O drama francês que dividiu o Prêmio do Júri do Festival de Cannes com “Bacurau” superou o também brasileiro “A Vida Invisível” na disputa interna na Amazon para ficar com a vaga. 

No Oscar 2020, “Os Miseráveis” ainda tinha pela frente o elogiado “Dor e Glória”, candidato espanhol dirigido pelo Pedro Almodóvar e que rendeu a nomeação ao Antonio Banderas em Ator principal. Logo, nem que “Parasita” fosse sacado, a França levaria esta estatueta. 

Em outros anos, porém, os franceses sonharam, ainda que distante, com a possibilidade ganhar o Oscar. 

Em 2000, “Leste-Oeste – O Amor no Exílio” chegava com o prestígio do diretor da dupla de “Indochina” – o diretor Régis Wargnier e a Catherine Deneuve. A produção esteve nos principais eventos da temporada, incluindo o Bafta e o Globo de Ouro. O ano, entretanto, era para consagrar o Pedro Almodóvar: “Tudo Sobre Minha Mãe” marcou a tardia primeira e até hoje única vitória do cineasta espanhol na categoria. 

Cinco anos depois, “A Voz do Coração” também fez o circuito todo de grandes eventos pré-Oscar com nomeações ao Globo de Ouro, Bafta, César e European Film Awards. Conseguiu o feito de ser nomeado na Academia também em Canção Original, perdendo para “Al Otro Lado del Río”, de “Diários de Motocicleta”. Em Filme de Língua Não-Inglesa, o longa do Christophe Barratier se viu comprimido no meio da disputa de duas forças europeias: o alemão “A Queda – As Últimas Horas de Hitler” e o ganhador espanhol “Mar Adentro” que ainda rendeu uma indicação ao Javier Bardem a Melhor Ator. 

“Feliz Natal” se deparou com uma corrida bem embolada no ano seguinte em que não havia nenhum favorito. Falava-se de “Paradise Now”, mas, o tema polêmico de homens-bomba palestinos em Israel, despertava polêmicas. O drama francês sobre um cessar-fogo no Natal durante a Primeira Guerra Mundial era mais palatável, porém, a Academia optou pelo sul-africano “Infância Roubada”. 

Se por um lado, esta vitória é incrível pelo fato de ter sido apenas o terceiro longa africano a vencer a categoria, por outro, a sensação de que a conquista de “Infância Roubada” foi uma forma da Academia se redimir da esnobada a “Cidade de Deus” não me sai da cabeça. 

Cena do cinema em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain

Agora, vamos para aquelas derrotas que doem até hoje nos franceses. São os filmes que tinham grandes oportunidades de vitória, mas, ficaram a ver navios. 

Dirigido pelo Patrice Leconte, “Caindo no Ridículo” fez uma trajetória forte até o Oscar. Ganhou o César de Melhor Filme, venceu o Bafta e foi indicado ao Globo de Ouro. Foi justamente no prêmio da Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood, entretanto, que o romance francês conheceu seu algoz: com apoio da Miramax, estúdio forte da época, o “Kolya – Uma Lição de Amor” venceu o prêmio e, mais tarde, o Oscar da categoria também. 

“O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” provou que ter uma série de indicações em outras categorias no Oscar não é garantia de vitória em Filme de Língua Não-Inglesa. Um dos filmes mais adorados dos anos 2000 acumulou cinco nomeações, entre elas, nas prestigiadas Roteiro Original e Direção de Fotografia. Vitória garantida, certo? Só que não: o bósnio “Terra de Ninguém” ignorou qualquer favoritismo e levou o National Board of Review, o Globo de Ouro e, para completar, o Oscar provando, mais uma vez, a força dos dramas de guerra. 

Já em 2009, “Entre os Muros da Escola” chegou com a credencial de ter vencido a Palma de Ouro e levado o César de Roteiro Adaptado. A corrida foi embolada, mas, o japonês “A Partida” ficou com a estatueta da categoria disputada ainda pela elogiada animação “Valsa com Bashir”. 

ERROS NA ESCOLHA

Nestes 30 anos sem vitória, a França teve filmes que ficaram na shortlist com algumas esnobadas bem sofridas. 

Se “Um Lugar na Plateia” em 2006 e “Nós Duas” em 2021 não surpreenderam ficarem de fora, o mesmo não dá para dizer de “Os Intocáveis”: o sucesso de bilheteria francês era o único com a mísera chance de ainda tentar algo contra o favoritismo de “Amor”. A Academia, entretanto, simplesmente tirou a produção no meio do caminho. Já neste ano, “Saint Omer” decepcionou em meio a uma corrida bastante pesada. 

E também tem anos que os franceses perdem a mão e escolham o candidato errado. 

Apesar da indicação, “5 Graças”, como já dito no vídeo, chegou sem força em 2016. Talvez “Dheepan”, vencedor da Palma de Ouro, tivesse uma sorte melhor. “Os Miseráveis” foi um equívoco francês, afinal, o país tinha à disposição “Retrato de uma Jovem em Chamas”, filmaço da Céline Sciamma, hoje muito mais lembrado. 

A princípio, “Titane” não parecia a escolha errado pelo prestígio da Palma de Ouro, porém, “O Acontecimento”, ganhador do Leão de Ouro e tocando em um tema urgente no mundo como o aborto, era mais moldado para obter a vaga. 

Crítica: Azul é a Cor Mais Quente

Fora que ainda há toda a polêmica em relação a “Azul é a Cor Mais Quente”: o polêmico filme conquistou Cannes e fãs ao redor do planeta. Mas, o filme só estrearia na França em outubro e as regras para o candidato do país ao Oscar determinavam que o lançamento fosse feito até setembro. Resultou que o escolhido foi “Renoir” que nem shortlist pegou. 

E O OSCAR 2024?

E para 2024 a França já arranjou polêmica logo de largada. 

A vitória de “Anatomia de uma Queda” em Cannes com as consagrações da Justine Triet e da Sandra Huller apontavam um caminho fácil da produção para esta vaga. A aquisição do longa pela Neon para distribuição norte-americana apontava uma crença de que era possível ir além da categoria de Filme Internacional para sonhar em Melhor Filme, Direção, Atriz e Roteiro Original. Isso ainda se somava ao fato da obra ser um dos maiores sucessos do cinema francês em 2023 com mais de 1 milhão de espectadores. 

O comitê de seleção que incluía nomes como Alexandre Desplat e Olivier Assayas, entretanto, resolveu ignorar tudo isso e decidiu por “O Sabor da Vida”. A produção foi a vencedora de Melhor Direção em Cannes com Trần Anh Hùng. 

O fato, claro, desagradou a Justine Triet que utilizou as redes sociais – sempre elas – para demonstrar toda a insatisfação com a escolha. Ela falou que “O Sabor da Vida” é um filme chato e irritante, apontando ainda questões ligadas ao machismo para “Anatomia de uma Queda” ter sido rejeitado. Fora que teve gente apontando possível interferência do governo Macron por conta das críticas da diretora ao receber a Palma de Ouro. 

E depois vocês falando que só no Brasil acontece estas coisas… 

Bem, agora, vamos analisar as possibilidades de “O Sabor da Vida” na categoria de Filme Internacional. Na minha opinião, vejo boas possibilidades de indicação, agora, vitória… aí é mais difícil. 

Independente de toda polêmica em relação a “Anatomia de uma Queda”, o candidato francês conquistou um bom número de críticas positivas e cresceu desde a escolha para o Oscar 2024. Mesmo com a distribuição da IFC Flms não ser do porte de uma A24 da vida, a imprensa norte-americana aponta possibilidades para além de Filme Internacional, especialmente, para a Juliette Binoche em Atriz Coadjuvante. 

Já entre as obras estrangeiras, hoje, “O Sabor da Vida” aparece na segunda posição na frente, por exemplo, do japonês “Perfect Days” e do espanhol “A Sociedade da Neve”. Porém, se há uma categoria traiçoeira, ela atende por Filme Internacional: neste ano, o sul-coreano “Decisão de Partir” estava na mesma posição e acabou de fora, abrindo espaço para o domínio do alemão “Nada de Novo no Front”. 

Quanto a vitória, hoje, o favoritismo total é de “A Zona de Interesse”: o drama britânico do Jonathan Glazer tinha apenas “Anatomia de uma Queda” como rival nesta categoria. Com a saída da Justine Triet, a porta está aberta para a A24. Para ser considerada uma zebra, “O Sabor da Vida” terá que remar um oceano inteiro para conseguir esta alcunha.