O Matapi – Mercado Audiovisual do Norte teve o melhor painel da edição 2023 na sexta-feira (24) na conversa que reuniu quatro das principais distribuidoras independentes do Brasil. Argel Medeiros (Olhar Filmes), Felipe Lopes (Vitrine Filmes), Yasmin Chiden (Desconoliza Filmes) e Talita Arruda (Fistaile) falaram sobre os desafios de inserir as produções nacionais no circuito exibidor do país em meio à pesada concorrência dos blockbusters hollywoodianos. 

As estratégias de campanhas de divulgação, os valores necessários para um trabalho eficiente nas redes e na mídia, além dos espaços nos cinemas de rua e de shoppings foram ressaltadas pelos representantes das distribuidoras. Formada por artistas e produtores nortistas, a plateia pode compreender um trabalho necessário e complexo após a produção já pronta. 

O Cine Set conversou com o diretor da Vitrine Filmes, Felipe Lopes. Nesta entrevista, ele conta sobre as dificuldades de se trabalhar sem cota de telas, os sucessos comerciais de “Nosso Sonho” e “Retratos Fantasmas”, e o desafio da campanha do acreano “Noites Alienígenas”. 

Cine Set – Qual o saldo de 2023 para a Vitrine diante de um cenário de incerteza em relação à cota de telas e o domínio de Hollywood? 

Felipe Lopes – 2023 foi um ano de muito paradoxo para a gente. Viemos de um período de destruição da cultura e este ano trouxe mais esperança, ainda que saibamos que a reconstrução não ocorre do dia para a noite. Há muitos passos para se dar em relação à cota de tela no cinema e televisão e a regulamentação do streaming. Temos uma ausência de política de Estado pensando na distribuição do cinema brasileiro – algumas chamadas do Fundo Setorial do Audiovisual incluem a comercialização, mas, desde 2018, não há editais específicos para distribuição. 

Trabalhamos com cinema brasileiro independente e a maioria dos nossos filmes não se encaixa no perfil dos editais de comercialização. Acaba sendo um trabalho de guerrilha colocar as obras do Grupo Vitrine no circuito comercial contando apenas com investimento privado.  

A esperança de uma mudança veio neste fim de ano com a retomada da parceria com a Petrobras para a Sessão Vitrine, permitindo que possamos trabalhar melhor a comunicação destes filmes com o público, fazer sessões debates e até ingressos a preços promocionais. Estamos otimistas, mas, realmente não foi fácil. 

Cine Set – “Nosso Sonho” e “Retratos Fantasmas” foram dois grandes sucessos da Vitrine em 2023. O primeiro, apesar da retirada precoce de muitas salas quando o filme estava indo muito bem, fez um bom número de espectadores assim como o longa do Kleber Mendonça Filho, especialmente, levando em conta ser um documentário. Como você avalia estes dois casos e o que eles mostram para a Vitrine Filmes de perspectivas de trabalho? 

Felipe Lopes – “Retratos Fantasmas” já começou com uma notícia muito boa ao ser selecionado para o Festival de Cannes 2023. Isso coloca naturalmente uma atenção grande ao filme ampliado pelo fato do Kleber ser um dos maiores cineastas do país em atividade. As obras deles construíram uma base de cinéfilos interessados em tudo o que ele faz, além de que ele e a Emilie Lesclaux têm uma ótima visão de mercado, o que ajuda muito no nosso trabalho.  

Daí, se somou ser o filme de abertura em Gramado, a seleção em outros festivais e ser o representante do Brasil no Oscar. Isso tudo contribui para explicar como “Retratos Fantasmas” chegou onde chegou. Este foi um trabalho executado pela equipe criativa incrível da Vitrine, a qual pensa no design de materiais, campanha de redes, a montagem das peças, a programação. 

Já “Nosso Sonho” faz parte da Manequim Filmes, nosso selo para obras mais comerciais, ou seja, ele já nasceu com uma estratégia maior no sentido de centenas de salas e na busca por públicos mais amplos. É uma campanha que envolve TV aberta e um trabalho de mídia mais intenso. Isso tudo em um cenário complicado – houve, inclusive, uma matéria que saiu apontando que as obras brasileiras tiveram 1% de market share no primeiro semestre do ano.  

Ainda assim, fizemos uma campanha forte, muito investimento, a mais cara que já trabalhei. Dá sim frio na barriga (risos) porque não há garantia de que o mercado dará o mesmo retorno, mas, havia uma confiança pelo acompanhamento que fizemos nas mais diversas etapas – do roteiro à montagem. Sentíamos um elenco e uma coletividade muito forte que fez o filme dar certo. 

Tivemos o apoio dos exibidores na abertura. Depois, alguns não seguiram da mesma forma nas dobras (semanas seguintes à estreia), o que foi muito frustrante para a gente. Afinal, dentro da concorrência contra o cinema norte-americano, era notório como “Nosso Sonho” teve crescimento na procura mesmo perdendo salas. Inevitável pensar quantos espectadores não tivemos em detrimento para outras produções estrangeiras que estavam em cartaz sem o mesmo sucesso. Mesmo com estas adversidades, chegamos a 500 mil espectadores e 10 semanas em cartaz.

 
Cine Set – Fale um pouco da experiência de “Noites Alienígenas“: como foi para a Vitrine trabalhar uma obra nortista? Quais foram os pontos que mais chamaram a atenção de vocês? 

Felipe Lopes “Noites Alienígenas” chegou para a gente como tantos outros filmes brasileiros para que fosse feita uma avaliação para futura parceria. Já estava todo finalizado e ele foi feito por um edital que não exigia a necessidade de uma distribuidora. Nossa equipe de conteúdo liderada pela Amanda Kadobayashi falou que se tratava de uma obra muito especial. Entramos em contato com os produtores do filme e fechamos a parceria. 

Não demorou muito e “Noites Alienígenas” foi selecionado para o Festival de Gramado. Fechamos uma equipe de assessoria para trabalhar a comunicação durante o evento e o filme saiu de lá com cinco Kikitos. Foi muito gratificante. 

Considero que foi uma obra especial para Vitrine por termos uma visão de que é muito importante entender os territórios durante um lançamento. Por exemplo: “Nosso Sonho” tem uma força grande no Rio de Janeiro – se você olhar os dados, nota que a cidade e o Estado têm uma participação muito maior do que qualquer outra localidade.  

Sobre “Noites Alienígenas”, sendo bem sincero, não conhecíamos o Acre muito bem, logo, foi fundamental estar junto com a produção local. Contratamos uma equipe da região para a etapa de comercialização e para entender este território.  

Uma equipe da Vitrine também foi ao Acre para a sessão de pré-estreia e evento de lançamento. Notamos uma dificuldade no circuito exibidor comercial: o Estado todo possui três complexos – dois na capital Rio Branco e outro em Cruzeiro do Sul. Neste cinema do interior, não conseguimos lançar o filme pelo complexo já estar comprometido com outros lançamentos. Tinha potencial, mas, não obtivemos esta entrada. 

Agora no fim do ano, estamos fechando uma parceria com o Governo do Acre para levar “Noites Alienígenas” a cidades onde não existem salas de exibição, permitindo que o filme chegue a mais pessoas. Fazemos isso mesmo sabendo que ele está na Netflx, pois, nem todo mundo tem acesso ao streaming. 

Cine Set – No debate aqui no Matapi, você falou dos locais no circuito brasileiro que abrem espaço para o cinema nacional. Gostaria que você falasse sobre a importância destas salas e como funciona o diálogo da Vitrine com eles. 

Felipe Lopes – O diálogo é muito direto e buscamos firmar o maior número de parcerias possíveis. Entendemos, claro, que se trata de um negócio, logo, é necessário levar as pessoas para as salas. Pode até existir filantropia, mas, não milagres. Por isso, é importante que haja políticas públicas de apoio, patrocínios. 

Em Manaus, por exemplo, o Casarão de Ideias não conta com patrocínio público, o que torna necessário que as pessoas compareçam para assistirem aos filmes. Por isso, o exibidor precisa de um marketing que faça este trabalho. 

Nossos parceiros neste circuito incluem o Cine Líbero Luxardo, em Belém, o Cine Cultura, em Palmas, Cine Teatro Recreio, em Rio Branco, o Itaú Cinemas no Rio e São Paulo, Estação, Dragão do Mar, em Fortaleza, além do Casarão de Ideias.  

Já os multiplexs possuem uma programação mais concentrada, o que até consigo entender por conta de fatores econômicos como o aluguel dos espaços nos shoppings necessitando de um retorno financeiro mais imediato. De qualquer forma, buscamos um contato direto com eles também a procura de brechas – a Sessão Vitrine Petrobras, por exemplo, estará tanto no Cinépolis quanto no Kinoplex. 

Cine Set – A Sessão Vitrine retorna com o apoio da Petrobras neste ano. Qual o impacto do retorno de uma empresa tão forte em apoiar o cinema brasileiro? E de que forma parceiros como este viabilizam propostas como essa? 

Felipe Lopes – O impacto financeiro da parceria com a Petrobras é que temos quatro vezes mais força de campanha do que temos rotineiramente sem ela. Muitas vezes, lutamos para fazer cinco mil espectadores e, para alcançar índices maiores, é necessário investimento. Ter a Petrobras olhando a cultura como algo estratégico com o apoio do novo governo viabiliza proposta como a Sessão Vitrine e os lançamentos ocorram com mais força. 

Acredito que isso possa ser uma semente para que outras instituições possam ter a mesma visão. Vejo outras empresas apoiado festivais, mercados, algo extremamente positivo. Bem diferente da época em que tivemos que ficar justificando a importância da cultura para a sociedade e economia mesmo com dados provando isso.  

Cine Set – O que 2024 reserva para a Vitrine Filmes? 

Felipe Lopes – A Sessão Vitrine começou agora em novembro de 2023 e estão previstos os lançamentos de 10 filmes. Será um filme por mês. Começamos com o relançamento de “Durval Discos” e, em dezembro, chega “Propriedade”, do Daniel Bandeira. “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” e “Sem Coração” virão na sequência no início de 2024. 

A Manequim Filmes trará grandes estreias para o circuito comercial, incluindo, “O Meu Sangue Ferve por Você”, cinebiografia do Sidney Magal e, quem sabe repetindo a dose das cinebiografias de sucesso; “A Princesa Adormecida”, segundo longa da trilogia da Paula Pimenta.  

Acreditamos ainda em outros filmes que tiveram grande impacto junto ao público em festivais. “Levante”, premiado no último Festival de Cannes e que será uma parceria nossa com a Lira Filmes, chega no primeiro trimestre. Temos filmes diversos buscando a pluralidade do nosso audiovisual.