Dois eventos recentemente me fizeram pensar em sexo, caro leitor… Sexo no cinema.

Primeiro, fui assistir a Pobres Criaturas no cinema e notei uma ocorrência curiosa durante o filme. Em breve voltarei a isso.

Segundo… Recentemente, o ex-Superman do cinema, o ator inglês Henry Cavill, disse durante a turnê de divulgação do seu novo filme, Argylle: O Superespião, que não gosta de filmar cenas de sexo. O astro falou que cenas do tipo são “usadas em excesso” em filmes e na TV hoje em dia.

Como sempre acontece quando uma celebridade diz algo parecido (aconteceu há alguns anos com o astro da série You, Penn Badgley), logo começa uma discussão nas redes sociais, e muita gente – muita MESMO – concordou com Cavill, assim como concordaram com Badgley. Isso me deixou pensando… Onde esse pessoal anda vendo filmes com cenas de sexo “em excesso”? Esses dois fatos em proximidade despertaram esta mera reflexão pessoal, caro leitor. Vamos procurar entender essa questão.

Sexo e o cinema

General William Hays deu nome a um código que levou a censura ao cinema norte-americano.

Bem, vamos a uma rápida história do sexo no cinema. Ela anda de mãos dadas com a censura.

Desde o início do cinema, cineastas exploraram nudez (sobretudo feminina) e sexualidade. O cinema, com seu aspecto voyeurístico, sempre teve um forte componente sexual, que foi visto – de maneira muito franca, aliás – em curtas e longas nos primórdios da indústria.

Logo apareceram pessoas para regular isso – após algumas inciativas nos anos 1920, foi instituído o infame Código Hays em 1934. Setores conservadores da sociedade americana impuseram normas sobre o que podia ou não ser mostrado nas tela, e elas perduraram por várias décadas. O código foi batizado em homenagem ao General William Hays, expoente conservador da época – e só a título de informação, também um simpatizante do nazismo.

O código estipulava várias regras, entre elas, de que os beijos não podiam durar mais do que três segundos. Isso forçava os cineastas a elaborar estratégias para driblar as regras e transmitir ao público o que precisava ser transmitido. Alfred Hitchcock, por exemplo, contornou a censura de forma célebre em Interlúdio (1946), fazendo o casal vivido por Cary Grant e Ingrid Bergman interromper e continuar seus beijos por diversas vezes. Veja abaixo:

O código enfim se extinguiu nos anos 1960 – não que não existissem drive-ins e cinemas alternativos (os chamados grindhouses) onde o pessoal daquela época podia ver cenas quentes. Mas a década de 1960 trouxe uma liberação e a explosão do chamado cinema exploitation, onde os filmes abordavam assuntos tabus impensáveis na década anterior. Foi a época em que tivemos, só para ficar nos EUA, filmes como os de Russ Meyer, os da pioneira Doris Wishman, algumas produções de Roger Corman

E, claro, da Europa sempre vieram alguns títulos que causaram sensação mundial. E Deus Criou a Mulher (1957) tornou Brigitte Bardot em sex symbol. Os Amantes (1958) com Jeanne Moreau escandalizou ao mostrar de forma franca o prazer feminino. Estes e outros filmes do tipo ajudaram a minar o poder dos censores em diversos países – mesmo que hoje em dia o fator escândalo deles já não exista mais para as plateias modernas.

Os anos 1970 foram definidos por Último Tango em Paris (1972) de Bernardo Bertolucci – hoje, mais lembrado pela controvérsia sobre o abuso do diretor e do astro Marlon Brando contra a atriz principal, Maria Schneider – e pelo fato do cinema pornô, antes marginal, ter ganhado as grandes plateias devido a sucessos como Garganta Profunda (1972).

Pornochanchada enfrentaram preconceito por décadas, mas, nos últimos anos, ganham uma importante revisão.

No Brasil, tivemos o grande ciclo das pornochanchadas: era um cinema transgressor necessário para um país sufocado pela ditadura e o grande público respondia a essas produções de forma massiva, no momento de maior conexão entre o brasileiro e seu cinema em todos os tempos. Essa produção ainda hoje é mal compreendida por boa parte das pessoas, mas felizmente está sendo reabilitada em tempos recentes. 

Em se tratando de Hollywood, o último grande momento em que o cinema mais comercial flertou de verdade com o sexo foi nos anos 1990, quando thrillers eróticos de orçamento médio causavam polêmica e atraíam as plateias. Foi a época de Instinto Selvagem (1992) e filmes que seguiram sua trilha. De brincadeira, pode-se dizer que, depois que Paul Verhoeven, o diretor de Instinto Selvagem, deixou Hollywood – onde ele também fez Showgirls (1995), vale lembrar – o sexo foi embora com ele.

Mas o que de fato ocorreu foi a mudança de paradigma do cinemão: hoje, Hollywood só produz filmes que custem ou 1 milhão de dólares ou 100 milhões. O filme de orçamento médio, para adultos, que foi o ganha-pão dos estúdios por várias décadas – como um Instinto Selvagem – passou a ser ignorado pela indústria, salvo as exceções de sempre. O padrão passou a ser filmes que agradem a todos os quadrantes do público, especialmente os jovens, e investimento em franquias.

O sexo em filmes hoje…

Vivemos em uma época em que a pornografia está ao alcance de um clique, muito mais disseminada do que nos tempos em que ela andava de mãos dadas com o cinema. Nesse contexto, os filmes continuaram explorando a temática sexual e encontrando novos enfoques. Um Azul é a Cor Mais Quente (2013) aparece de vez em quando e alcança grande repercussão, e dentro do cinema mainstream tivemos a infame trilogia Cinquenta Tons de Cinza, um breve momento hollywoodiano de retorno ao tema, mas que mesmo assim, só foi feita porque existia previamente uma grande base de fãs dos livros. Não se engane, Cinquenta Tons é caso claro de mentalidade de franquia.

Os herdeiros da trilogia acabaram, curiosamente, não vindo de Hollywood, mas da Polônia, país que hoje parece estar se especializando em lançar filmes “tenebrosamente” eróticos que fazem as aventuras de Anastasia e Mr. Grey parecerem drama shakespeariano. É o caso de 365 Dias (2020), O Preço do Prazer (2022) e outros, que seguem tropos questionáveis que serviram bem à sua inspiração americana.

Enfim… Será que são esses filmes a quem o pessoal se refere quando falam de “cenas de sexo em excesso”? Talvez sejam eles e alguns outros títulos similares – lançados nos streamings, principalmente – que devem estar animando as noites de alguns casais. Porém, essas produções são uma gota no oceano. Além disso, muitas vezes elas têm um verniz conservador, diferente do teor transgressor que muitos filmes do passado tinham.

E de fato, a transformação da indústria perante o sexo pôde ser observada também na TV. Podemos relembrar o exemplo do fenômeno Game of Thrones, da HBO – rede que se tornou notória pela sua programação ousada e de teor adulto, e séries com cenas de sexo e violência. Ora, ao longo das temporadas a série foi visivelmente diminuindo a quantidade das suas cenas de sexo, especialmente quando virou fenômeno de massa.

INCÔMODO E SAÍDA DA SALA

O que me traz à minha experiência com Pobres Criaturas.

Na minha sessão, observei uma quantidade razoável de pessoas saindo da sala durante o filme. Claro, muitos espectadores devem ter ido ver o filme sem ideia do que esperar. Foram no embalo das indicações para o Oscar e pela presença de Emma Stone e Mark Ruffalo. E o filme do diretor Yorgos Lanthimos é de fato provocador e incômodo, não é para todo mundo. Mas notei que alguns espectadores se mostraram incomodados pelas cenas de sexo.

De minha parte, fazia tempo que eu não via um filme do grande cinemão comercial hollywoodiano com tanto sexo – nem os Cinquenta Tons. As cenas têm um tom absurdo, quase cômico, bem diferente de excitante, e acabam sendo um dos ingredientes que provocam incômodo nos espectadores. Vários responderam indo embora da sala. Nesse aspecto, Pobres Criaturas apresenta um tom transgressor não tão frequente hoje em dia.

Conservadorismo? Ou realmente existe muito sexo no cinema e TV hoje?

Não é objetivo deste texto discorrer sobre os motivos para uma onda conservadora e como ela pode influenciar a indústria audiovisual hoje. Mas há indícios desse fenômeno: no finalzinho do ano passado, uma pesquisa da UCLA, a Universidade da Califórnia, constatou que a geração Z, os jovens de hoje, querem menos cenas de sexo na TV e no cinema, e as consideram até “desnecessárias”. Se os jovens estão assim…

Ora, se falamos de sexo no cinema e na TV, nosso parâmetro é o imperialismo de Hollywood, ainda mais em se tratando de Brasil. Acho estranho as pessoas falarem de um suposto excesso quando o paradigma do cinema hollywoodiano mudou e, hoje em dia, até existam figuras como a do coordenador de intimidade, que estabelece limites do que pode ou não ser feito em uma cena de sexo – e Pobres Criaturas fez uso desse profissional, assim como séries recentes como Euphoria e The Idol, também da HBO e com suas cotas de cenas ousadas. Essas séries são obviamente produzidas para públicos maiores de 18 anos.

Então, quando as pessoas falam de “muito sexo hoje em dia”, não consigo entender. Onde está todo esse sexo? Ano passado até tivemos alguns filmes que abordaram temáticas sexuais em cenas francas, mas nada muito explicitas, produções que vieram da Europa como Passagens ou How to Have Sex, além do próprio Pobres Criaturas. Até Christopher Nolan filmou sua primeira cena de sexo no megassucesso Oppenheimer, então 2023 até teve um pouco mais disso nas telas, mas ainda assim isso é “excesso”? E o que é “desnecessário” na arte? Quem dita isso? A rigor, não seria toda arte necessária? Não é esse um dos seus maiores poderes?

De fato, espero que essa reflexão aqui sirva para criar um questionamento e que mais espectadores passem a ver esse assunto por um ângulo mais “social”. Porque o cinema é espelho da sociedade que o produz, e se estamos mesmo presenciando uma onda mais conservadora, que tipo de cinema vamos querer ver no futuro próximo? E haverá espaço nele para um dos elementos mais básicos da vida humana, a sexualidade, nele? Pensemos nisso…