Caio Pimenta apresenta as principais características do momento do cinema amazonense nos últimos 20 anos em novo capítulo da websérie.
MEIO DIGITAL
Uma das marcas dos audiovisual no mundo inteiro nos últimos 20 anos foi a digitalização e portabilidade dos meios de produção do setor.
Diferente do que ocorria no século XX quando rodar um filme exigia equipamentos pesados, caros, gravar em película e fora todo o processo complexo de pós-produção em uma era sem computadores pessoais e softwares amigáveis, a tecnologia evoluiu tanto que, hoje em dia, é possível gravar filmes até mesmo no celular.
Os festivais Um Amazonas e Curta 4 foram bons exemplos disso: promovidos pelo Júnior Rodrigues através da Amacine, esses eventos traziam filmes gravados por realizadores, muitos deles, amadores, em câmeras portáteis e editados nas primeiras versões do Adobe Premiere ou do Movie Maker.
Hoje em dia, essa portabilidade permite, entre outras coisas, que o Jimmy Christian, um dos mais prolíficos realizadores locais, consiga gravar e editar os curtas e até longas dele no celular, algo impensável na era de Silvino Santos e do cineclubismo dos anos 1960.
Política De Regionalização Do Audiovisual Brasileiro
O terceiro ciclo do cinema amazonense também está em inserido em um movimento de políticas públicas de regionalização do audiovisual brasileiro a partir da retomada em 1995 e da criação em 2001.
O marco inicial foi o DOCTv, em 2003. Esse era um projeto da então Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura e era voltado para o fomento e a produção do documentário no Brasil.
Esta política chegou no ápice quando o Amazonas, pela primeira vez, venceu o edital de baixo orçamento para longas-metragens do antigo Ministério da Cultura. O contemplado foi a produtora Rio Tarumã Filmes para a realização de “A Floresta de Jonathas”, primeiro longa da carreira do Sérgio Andrade. Os outros dois longas do Sérgio – “Antes o Tempo não Acabava” e “A Terra Negra dos Kawá” – assim como os filmes ainda não lançados de Anderson Mendes e a Cristiane Garcia também foram selecionados neste edital em outras edições.
Na década passada, ainda vimos surgir os editais para TVs Públicas. Catorze séries do Amazonas foram contempladas em dois editais, transformando o audiovisual local com uma visão ainda mais profissional.
Por fim, teve os arranjos regionais em que a Prefeitura de Manaus e o Governo Federal conseguiram promover um edital público para a realização de projetos audiovisuais. Infelizmente, todo esse cenário frutífero dos anos anteriores parece cada vez mais sombrio para o futuro.
Mulheres No Audiovisual
Se os homens dominarem os dois ciclos anteriores do cinema no Amazonas, o atual momento tem uma participação fundamental das mulheres. Na frente das câmeras, Isabela Catão é a atriz que mais se destacou com participações marcantes em filmes como “A Goteira”, “Enterrado no Quintal” e, claro, “O Barco e o Rio”. Mas, também não dá para esquecer a Rosa Malagueta, Maria do Rio, Thaís Vasconcelos, Jéssica Amorim, entre outras.
Diferente do que acontece em grande parte do Brasil e do mundo, no cinema do Amazonas, as mulheres negras são as que dominam a cena local. São os casos, por exemplo, de Elen Linth, Keila Serruya, Michelle Andrews, Dheik Praia e Izis Negreiros. Se a Cristiane Garcia realizou o histórico “Nas Asas do Condor”, primeiro filme amazonense gravado em 35 milímetros em três décadas e se prepara para estrear em longas, a Flávia Abtibol transita entre o roteiro e a direção com filmes muito bons como “Dom Kimura” e “O Céu dos Índios”. E tem também a Eliana Andrade, Carol Fernandes, Kátia Brasil, Elisa Bessa, Deborah Haven e por aí vai.
Cinema, entretanto, não se resume a direção e atuação. Nos bastidores, tem muitas mulheres fazendo trabalhos incríveis como a Valentina Ricardo, diretora de fotografia premiada no Festival de Gramado por “O Barco e o Rio”, a Hamyle Nobre, Michelle Moraes, Sarah Pimentel e a Rafaela Figueiredo na produção e a Anália Nogueira no figurino.
Por fim, vale citar todo o esforço da Danielle Nazareno para levar o cineclubismo no interior do Amazonas, as pesquisas acadêmicas fundamentais da Selda Vale da Costa e também a Susy Freitas, Camila Henriques, Pâmela Eurídice, Rebeca Almeida e Natasha Moura na crítica de cinema.
Girl power total!
Repensando A Amazônia
O misticismo em torno da Amazônia, terra de mistérios e riquezas, tão característico do discurso colonizador e visto aos montes nos filmes europeus e hollywoodiano, teve um contraponto interessante dentro do audiovisual produzido no Norte do país.
Neste terceiro ciclo do cinema amazonense, os artistas locais trouxeram novos pontos de vistas sobre a região, ressignificando simbolismos e estruturas estabelecidas por décadas. Com isso, a gente pode ver a Amazônia urbana com foco, claro, em Manaus.
Temáticas modernas caras à sociedade como a homofobia em “Maria”, a opressão às mulheres em “O Barco e o Rio” ou a violência em “Raiz do Males” ganharem telas assim como diversidade de gêneros na nossa produção como o policial de “A Última no Tambor”, o suspense com “Enterrado no Quintal”, a comédia pop de “Et Set Era”, além dos experimentais como “Jardim de Percevejos”.
A dualidade urbano/floresta trazendo indígenas como protagonistas nos próprios dialetos teve espaço desde “Pranto Lunar”, da Dheik Praia, até “Antes o Tempo não Acabava”, do Sérgio Andrade. Esse lugar de fala represado durante tanto tempo no cinema encontrou espaço na produção amazonense que ainda desenvolve essas narrativas e técnicas para contar estas histórias.
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Projeto contemplado no Prêmio Feliciano Lana, promovido pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa com recursos da Lei Aldir Blanc.