Charlize Theron ganhou o Oscar de Melhor Atriz pelo drama Monster: Desejo Assassino (2004), mas a melhor e mais marcante atuação de sua carreira até hoje foi em Mad Max: Estrada da Fúria (2015), como a Imperatriz Furiosa. No já clássico filme de George Miller, ela demonstrou força, poder, carisma, comando de tela e deu vida a uma das mais icônicas heroínas do cinema. Fazer o filme foi uma experiência marcante, e difícil, para todos os envolvidos, mas para a atriz, ele parece ter despertado um apetite por papéis fortes dentro do gênero ação. De lá para cá, Charlize Theron estrelou o divertido Atômica (2017), foi a vilã de Velozes e Furiosos 8 (2018) e, agora, vive uma guerreira imortal neste The Old Guard, da Netflix.
Muito bom para ela… só há um porém: nem toda protagonista de ação é uma Furiosa, nem todo filme de ação é um Mad Max: Estrada da Fúria. E isso nunca fica mais claro do que neste projeto da Netflix, que, sinceramente, é mais uma porcaria do serviço de streaming. Em 2020, justo quando o mundo mais precisa de opções legais de entretenimento, parece que a Netflix está determinada a lançar a sua pior safra de filmes. Numa nota pessoal, estou começando a sentir um vazio existencial toda vez que percorro a plataforma em busca de algo para ver. The Old Guard é mais uma história formulaica e repleta de clichês, mais um piloto de série do que uma narrativa satisfatória. E embora Charlize se esforce e continue magnética em cena, como sempre… ela não faz milagre.
Na história, baseada na HQ dos autores Greg Rucka e Leandro Fernandéz, Charlize Theron vive Andrômaca, ou Andy, a líder de um grupo de mercenários imortais que faz serviços pelo globo. Não sei se matar gente como mercenário é melhor uso possível do dom da imortalidade de pessoas que dizem querer melhorar o mundo, mas… esse é o tipo de filme que The Old Guard é. Enfim, o grupo dela começa a ser perseguido por uma corporação farmacêutica determinada a explorar a imortalidade deles, ao mesmo tempo em que encontram uma nova imortal, a jovem fuzileira Nile (Kiki Layne).
The Old Guard é meio colcha de retalhos, pegando elementos de Highlander: O Guerreiro Imortal (1986) aqui, um pouco do terceiro ato de Matrix (1999) ali… Os dilemas existenciais dos personagens imortais estão ali para adicionar drama e profundidade, mas soam clichês e só fazem emperrar a narrativa. Charlize carrega o filme nas costas, já que os outros atores não ajudam muito: A novata Layne, em especial, se mostra bem inexpressiva; e Chiwetel Ejiofor e Matthias Schoenaerts apenas batem ponto, como bons profissionais que são, e conseguem pagar seus boletos do mês.
PILOTO DE SÉRIE MAL ACABADO
As situações criadas pelo roteiro também não ajudam: “The Old Guard” parece calculado demais, como bom produto Netflix, e ansioso para agradar ao gosto do público moderno. Dois dos heróis imortais têm um romance homoafetivo – o que dá origem a uma cena esquisita na qual um deles reafirma seu amor pelo outro enquanto são sequestrados, na frente dos seus captores. Era para ser tocante, mas só ficou cafona… Já o vilão é o CEO de uma grande corporação, como bem convém a um filme atual. Pena que ele não tenha presença de cena ou transmita sequer um pingo de ameaça.
E quanto à ação, ela é bem filmada pela diretora Gina Prince-Bythewood: as lutas e tiroteios são bem encenados e percebe-se que os atores fizeram a maior parte das cenas eles mesmos. Mas há um aspecto limitado nessas sequências: elas se passam todas em cenários fechados, às vezes escuros, e com o tempo o combo tiroteio-luta, sem variedade, começa a cansar e sugere que a produção não devia ter orçamento para criar cenas mais grandiosas. Além disso, o fato de quase toda cena de ação ser musicada ao som de uma canção “esperta” ou com tom “emo” não ajuda essas cenas. O filme tem seu próprio DJ, sempre pronto para entrar em ação com uma canção fraquinha.
Além disso… se os heróis do filme são praticamente imortais, isso dificulta bastante a criação de suspense durante as cenas de ação. Não à toa, o peso dessas cenas é colocado sobre a personagem de Charlize, a única com a qual o espectador se importa um pouco – mais mérito da atriz do que do roteiro ou da direção… E o final, que deixa portas abertas para uma sequência, escancara para o espectador a artificialidade do projeto: The Old Guard termina parecendo mais com um piloto de série – até mesmo pelo aspecto limitado – do que com um filme capaz de se sustentar por si só.
Charlize Theron é uma grande atriz, virou um ícone do gênero ação e os fãs desse tipo de filme gostam de vê-la nesse tipo de papel. Eu me incluo nisso. Também se percebe que ela curte o gênero e dá tudo de si nesses projetos – Foi produtora tanto em Atômica quanto em The Old Guard. Se ela sente esse anseio como artista e está gostando de viver mulheres fortes que dispensam tiros e pancadas na tela, só podemos lhe desejar boa sorte em seus esforços. Porém, bate um pouco de tristeza ao vê-la em The Old Guard. Recentemente, ela declarou estar de “coração partido” por não retornar ao papel de Furiosa no projeto vindouro de George Miller. Bem, é verdade que uma Furiosa não aparece todo dia. Mas não é com The Old Guard que a atriz, ou seus fãs, vão preencher esse vazio…