No país do caos e horror de Bolsonaro, “Homem Onça”, o novo longa de Vinícius Reis (“Noite de Reis” e “Praça Saens Peña”), não ajuda em nada na construção de uma esperança por um país melhor. Veja bem, isso não significa que se trata de um filme ruim, longe disso, mas a carga negativa que carrega em seu enredo e desesperança atual deixa uma sensação, sobretudo, de cansaço.

A trama acompanha o drama de Pedro (Chico Diaz, soberbo) que, com a privatização da empresa onde trabalha (semelhante a Vale), se vê envolto em uma série de danos irreparáveis em sua vida e das pessoas que o cercam. De repente, depois de um prêmio importante, é obrigado a demitir parte de sua equipe, amigos de toda uma vida na empresa. No fim, o próprio Pedro se vê forçado à aposentadoria.

A trama se passa em 1997, mas poderia ser facilmente se passar nos dias atuais por conta de toda incerteza e desemprego. Sua esposa, Sônia (Sílvia Buarque) é uma das muitas pessoas de meia idade descartada do mercado de trabalho, uma realidade ainda em voga para aqueles que, com mais de 40 anos, sofrem sem conseguir uma oportunidade.

Nesse meio tempo, Pedro volta a morar em Barbosa, sua terra natal, e se reencontra com um antigo amor de juventude Lola (Bianca Byington, belíssima) e também com uma onça que cerca a vizinhança desde o tempo de mocidade. Aqui, podemos perceber uma bela metáfora da transmutação, uma renovação do ser.

TRABALHADOR ESQUECIDO NO JOGO DE PODER

Apesar de dificuldade do tema, Vinícius Reis coordena “Homem Onça” com muita propriedade que, vejam só, foi gravado antes da fatídica eleição do atual presidente em que as coisas só pioraram. Mas não encare a produção como um filme de politicagem – políticos todos nós somos, não nos esqueçamos. Mas não há como desvincular uma coisa da outra, pois, está na raiz de muitos problemas nossos enquanto sociedade o comando do elo dominante – entenda-se os ricos -, no comando dessa nação.

Em uma sociedade capitalista e legitimamente desigual, a força da mão de obra, do trabalho, do trabalhador não é nada se comparado a força dessas potências entre Estado e setores privados que privatiza, desmata e também negligencia uma peça que deveria ser fundamental na estrutura capitalista: o trabalhador.

Aliás, a direção tem uma visão muito equilibrada nessa questão do trabalho. Pedro é desacreditado na empresa que tanto gosta depois de anos de serviços prestados. Sônia busca por uma oportunidade. Dantas (Emílio de Mello), melhor amigo de Pedro, vê na sua aposentadoria forçada uma nova oportunidade de vida e investimento. Mas, na meia idade, recomeçar não é uma das tarefas mais fáceis. A filha do casal (Valentina Herszage) é uma jovem com pensamentos neoliberais, pensamento ligado ao extremismo da direita que estamos hoje.

ENTRE INJUSTIÇAS E FALTAS DE OPORTUNIDADES

Foto: Andréa Testoni

O olhar vulnerável acerca de como todos lidam com o trabalho é fundamental na construção de “Homem Onça”, pois, temos uma visão de trabalho muito particular e em comum; para muitos, ele é o norte, seja por necessidade, vontade ou vocação. O trabalho é o alicerce e, quando você se encontra sem expectativa alguma de sustento e ocupação, é um peso entristecedor. Mas quem se importa? Empresários continuam ficando cada vez mais ricos.

“Homem Onça” é um filme inquietante por sua realidade e por sua incerteza que pulsa na nossa sociedade desigual que não evoluiu em nada. Na verdade, pensar em uma evolução enquanto sociedade em temas importantes sociopolíticos e econômicos beira a falácia. As injustiças, impunidades, privatizações, desempregos, vidas perdidas, mentes perturbadas e a falta de oportunidades são onipresentes e nos condiciona a um lugar inóspito, ingrato e, como disse acima, cansativo.

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