Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. Memória dos Pássaros. Viva – A Vida é uma Festa.
Esses são alguns exemplos de como o cinema aborda a questão da memória. O assunto desperta curiosidade pelo seu teor de desconhecimento, afeto e cientificidade; fatores que salientam também a criatividade dos cineastas quanto ao tema. Esse é o caso de “Fruto da Memória”, longa-metragem de estreia do grego Christos Nikou.
O diretor, que tem no currículo a assistência de direção de “Antes da Meia-Noite”, de Richard Linklater, e “Dentes Caninos”, nos mergulha mais uma vez no pensamento fora da caixa do cinema grego, popularizado nos últimos anos por Yorgos Lanthimos. Nessa produção em específico, somos ambientados a um mundo acometido por uma pandemia de amnésia. Assim como em “Ensaio sobre a Cegueira”, ninguém sabe como ela é transmitida e nem como curá-la; acompanhamos, então, a jornada de Aris (Aris Servetalis) para se adaptar à nova realidade.
Desaparecer de Si
A cinematografia de Bartosz Swiniarski alinhada ao design de produção nos coloca em um mundo frio, pintado de tons pastéis e impessoal. Com exceção das maçãs – que dão nome ao filme em grego -, nenhum outro objeto ou local cria conexão entre o protagonista e sua jornada. Até porque isso é uma característica da personalidade da obra. Estamos diante de um filme que mostra de forma clara como a perda da memória nos faz desaparecer.
Em sua obra “Desaparecer de Si”, o antropólogo francês Le Breton mostra formas diferentes de como nos desvencilhamos de nós mesmos e criarmos uma cultura de apagamento e como, em certos casos, isso se torna uma libertação do esforço de ser si mesmo e de responsabilidades incômodas. Esse desaparecimento não cria laços, conexões ou empatia. Aris parece se encaixar dentro dessa categoria.
Apatia generalizada
Sem ligações com o seu passado, o protagonista se inscreve no Programa “Aprendendo a Viver”, onde ganha uma nova identidade e passa a seguir recomendações médicas restritas de como recomeçar. O personagem é extremamente apático e isso prejudica de certa forma sua trajetória, visto que, em sua busca por entender os prazeres humanos e compreender os relacionamentos para, enfim, avançar na nova vida, Aris soa robótico e preso ao automático.
Para falar a verdade, essa apatia é a característica que dá o tom de “Fruto da Memória” e nos faz pensar sobre a nossa atual conjectura, além da discussão em torno do momento sociopolítico que passa a Grécia. Dentro desse contexto, a arte assume um papel crucial: o roteiro evidencia muitas vezes o quanto a arte é importante nesse período de perda de memória e de reafirmação cultural. Ela é utilizada como um refúgio e alicerce para a renovação de memórias.
A fotografia, por exemplo, ao mesmo tempo em que é posta como um tratamento também é uma maneira do protagonista buscar encontrar sua forma de expressão. Algo que apenas enfatiza seu desinteresse e indiferença. Tais elementos, contudo, reforçam a indagação em torno da maneira que enxergamos e levamos a vida e como o esquecimento nos atinge em esferas diferentes.
“Fruto da Memória“ é um filme lento e um tanto esquisito para quem está acostumado com o cinema europeu, no entanto, representa bem a atual produção grega, fato que saliente a necessidade de apreciá-lo enquanto uma reflexão das nossas vidas e o rastro que podemos deixar. Afinal, memória é sobre afeto, permanência e importância.
Um ótimo começo para Christos Nikou.