Às vezes, a sensação que Pacificador desperta é de ver alguém brincando com bonecos – ou melhor, action figures, como eles são conhecidos hoje. Esse alguém é o criador, produtor-executivo e diretor de quase todos os episódios, James Gunn. E ele brinca enquanto ouve uma fita cassete de rock farofa dos anos 1980 e 1990 em volume alto para embalar a movimentação energética dos bonecos.

E não é que o resultado dessa brincadeira é… bem divertido? A Warner Bros. e a HBO Max apostaram na ideia de Gunn de dar ao coadjuvante/anti-herói de O Esquadrão Suicida (2021) uma série própria. Liderada por uma atuação inspirada e honesta de John Cena – ele mesmo parece uma action figure – e pela visão particular de Gunn, Pacificador acaba sendo uma grande diversão e uma das melhores investidas do gênero super-herói em seriados dos últimos anos.

REFINAMENTO DO HUMOR DE GUNN

A série começa do ponto onde o filme parou com Christopher Smith, o Pacificador (Cena), tendo alta do hospital e voltando a se reencontrar com a águia de estimação Eagly e o pai, um líder de um grupo supremacista branco vivido pelo veterano Robert Patrick. A ironia do personagem, já observada no filme, é levada às últimas consequências na série: como uma versão sem noção do Capitão América, o Pacificador é alguém que não hesita em “matar homens, mulheres e crianças para proteger a paz”. E ele logo é recrutado de volta ao serviço, junto com uma equipe de apoio que traz de volta alguns coadjuvantes de O Esquadrão Suicida. O objetivo? Impedir uma invasão de criaturas alienígenas conhecidas como ”borboletas” que se escondem em hospedeiros humanos.

Ao longo de oito episódios, James Gunn e o elenco se divertem com sangue, piadas – algumas engraçadíssimas, outras no estilo “quinta série” – e personagens tresloucados. A série é Gunn na veia, despertando até lembranças do tom pirado da sua hoje pouco lembrada – e mediana – comédia Super (2010).

Para quem viu esse filme, Pacificador hoje parece um refinamento e mostra um diretor mais seguro do seu comando do humor e da ação, mas ainda assim mantendo seu estilo anárquico e porra-louca. E sim, mesmo em um mundo em que a série The Boys existe, Pacificador ainda surpreende em vários momentos pela disposição para criar humor chocando o espectador ou zoando com a mitologia super-heróica.

 LIBERDADE NA DC

Mesmo assim… Em meio a toda a galhofa, há um centro dramático na forma do amadurecimento do protagonista. Smith, apesar da origem e das atitudes, é um cara legal que faz a coisa certa por acidente e é transformado pela convivência com seus amigos. Nesse sentido, a atuação de Cena impressiona por fornecer nuances ao que era, no filme, uma caricatura engraçada e grotesca. O elenco de apoio ao seu redor também é muito bom, especialmente Danielle Brooks como a inexperiente e carismática Leota, Steve Agee como o nerd Economos que desenvolve uma relação divertida com o herói, e Freddie Stroma como o herói Vigilante, o mais pirado numa coleção de figuras piradas.

Conseguir encontrar humanidade em meio às caricaturas e humor por vezes bobo e grosseiro aliado a uma trilha sonora impossível de não sair cantarolando por aí se mostram o verdadeiro truque de mágica de James Gunn – algo que o diretor já havia demonstrado com Guardiões da Galáxia. Porém, na DC, ele parece até mais legal, loucão e solto pela liberdade que jamais teria na Marvel.

O personagem Pacificador, suas origens e envolvimento no Esquadrão Suicida dos quadrinhos já prenunciavam o escracho e Gunn, na função de criador e principal voz criativa da série, o eleva a outro patamar. Das cenas de violência e sexo até a visão autoral jamais seriam possíveis em uma produção Disney. No episódio final da temporada, inclusive, o diretor aproveita para zoar a própria DC no cinema como um todo, com participações especiais que adicionam à imprevisibilidade da série.

Como série, Pacificador pode até se perder aqui e ali em suas tentativas de bizarrice, como uma criança hiperativa com seus brinquedos. Mas nunca é entediante – seus episódios, com no máximo 45 minutos de duração, passam voando – e de vez em quando até se torna uma diversão brilhante, a seu modo. Às vezes crianças acertam e, de novo, James Gunn aponta o caminho: a DC tem que fazer, em seus filmes e séries, o que a Marvel não pode, e a chave para isso é ser autoral.

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