Há alguns anos, fãs da cinessérie Sexta-Feira 13 fizeram um fanfilm muito legal chamado Never Hike Alone, que você pode conferir no YouTube. Bem, tendo em vista que o nosso maníaco da máscara de hóquei favorito não dá as caras nas telas há mais de uma década, preso em um processo legal entre seus criadores, um fanfilm é o que se tem para matar a sede por novas matanças de Jason Voorhees.

O que é um fanfilm? Bem, o termo já designa: é o filme feito por fãs de alguma franquia ou propriedade intelectual que geralmente as pessoas fazem não visando lucro – até porque não podem lucrar com propriedade de outrem – mas sim para celebrar seu amor por Star Trek, Star Wars, e outras franquias e personagens amados do cinema.

Vivemos na era do fanfilm, afinal, pode-se dizer que vários grandes sucessos dos últimos anos do cinema industrial se encaixam na definição. O que é um Jurassic World (2015), um Halloween (2018), um Star Wars: O Despertar da Força (2015), se não uma celebração de diretores jovens a obras marcantes de Steven Spielberg, John Carpenter e George Lucas, respectivamente? Não há autoralidade nestes filmes: aliás, pode-se até argumentar que eles fizeram muito sucesso justamente porque seus diretores, que não têm lá muita personalidade, conseguiram imitar bem o estilo dos seus ídolos. Ora, se hoje em dia não temos um novo Spielberg, temos que nos contentar com o Colin Trevorrow – já diz o ditado, quem não tem cão caça com gato.

REFERÊNCIAS A RAIMI

Isso poderia abrir toda uma discussão sobre o estado do cinema atual, mas vamos deixar isso para outro dia. Todo esse preâmbulo, na verdade, é para abordar A Morte do Demônio: A Ascensão, nova produção da saga de terror que começou em 1981 com A Morte do Demônio, responsável por revelar as carreiras do diretor Sam Raimi e do astro do cinema B, Bruce Campbell. O filme original é um marco do terror e do cinema independente e sua história sobre um grupo de amigos em uma cabana isolada no meio do nada sendo possuídos pelas entidades malignas do Livro dos Mortos transborda criatividade fílmica, rendeu duas continuações dirigidas por Raimi, uma série de TV e uma refilmagem do original em 2013.

Raimi, Campbell e o produtor Rob Tapert deram suas bençãos ao novato Lee Cronin, que escreveu este A Ascensão. Diferente da cabana, ele se passa em um prédio – daí a ascensão, sacaram? O edifício decrépito guarda um segredo revelado por um tremor de terra, o Livro dos Mortos guardado num cofre. Quando um incauto ouve a recitação das passagens do livro, o mal é liberado e começa a atacar uma família, possuindo primeiro a mãe (Alyssa Sutherland). E a partir daí, começa o banho de sangue e outras secreções, e o festival de corpos contorcidos de maneiras antinaturais.

Cronin é fã, sem dúvida. Em A Ascensão, ele coloca sua câmera, ocasionalmente, em ângulos estranhos e tenta imitar o que o chefe fez há 40 anos apoiando a câmera em um compensado e correndo pela floresta. Agora, Cronin usa um drone… E é um sinal dos tempos quando a realização dos anos 1980 impressionava mais. Ele também tenta – frequentemente, sem sucesso – balancear o horror com momentos de humor bizarro, típicos do estilo Raimi.

E é uma pena que, apesar do novo cenário, o filme seja tão claustrofóbico, se passando quase todo dentro do apartamento da família. O prédio é pouco utilizado e A Ascensão acaba desperdiçando seu próprio potencial ao ser muito reverente ao passado. Pelo menos, o cenário permite a Cronin homenagear mais um dos seus filmes favoritos, presume-se: O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick, em uma cena envolvendo um elevador.

NO FIM DAS CONTAS, UM COVER

O elenco é comprometido, mostrando atuações eficientes dentro da proposta – Sutherland, com seu sorriso enervante, é o destaque, e os jovenzinhos não fazem feio. A sanguinolência do filme é, pela maior parte, alcançada com efeitos práticos – as cenas com CGI, computação gráfica, são poucas e quando aparecem, até destoam do tom geral. E perto do fim, o diretor consegue encenar algumas cenas de impacto que visam fazer o espectador chegado neste tipo de coisa sair da sessão com um sorriso – entre cenas de rotina e algumas inovações, A Ascensão acaba em uma soma zero, um filme que não chega a ser ruim, é competente e feito de forma profissional, mas que não assusta e some da memória dez minutos após o seu desfecho.

É o que se tem para hoje, o filme-homenagem, o filme-referência, que, na teoria, “dá aos fãs o que eles querem” dentro da lógica de mercado do cinema atual: a exploração de qualquer marca ou título ainda lembrado pelas pessoas e na qual diretores basicamente são pagos para imitar outros que fizeram obras marcantes no passado.

Claro que, para um diretor chegando à indústria, estar atrelado a um título conhecido como A Morte do Demônio não faz mal nenhum. Mas este não é um filme do tal Lee Cronin, é um filme do Sam Raimi cover. Uma banda cover pode ser até legal de ouvir de vez em quando, mas os álbuns que marcaram época ainda estão por aí, a um clique de distância no Spotify.

E numa nota pessoal, sinceramente, se é para ver um fanfilm, prefiro Never Hike Alone.