Se os filmes de heróis da Marvel vêm passando por um período de ócio criativo, indicando uma possível saturação do público em relação às histórias, a Sony tem utilizado os “pseudos projetos cinematográficos” do universo baseado em propriedades do Homem-Aranha para apostar em uma tônica experimental inusitada: até que ponto a divisão de cinema do estúdio consegue produzir obras progressivamente tão ruins quanto ser pego em momento íntimo pelos pais?   

Abaixo, seguem três pontos que elencam o exercício cinematográfico de presenciar “Madame Teia” começar no nada e terminar em lugar nenhum durante as suas aproximadas duas horas de metragem.  

ROTEIRO COMPLETAMENTE PERDIDO

Os outros filmes do universo, pelo menos, tinham algo de concreto para se agarrarem, ainda que malmente tipo Jack Dawson boiando no oceano em “Titanic“: o primeiro “Venom” trazia momentos divertidos graças ao humor gerado pela dinâmica excêntrica entre Eddie Brock (Tom Hardy) e o simbionte; “Venom 2” oferecia uma comédia juvenil besteirol que divertia e contava com Woody Harrelson despirocado na pele do vilão Carnificina; e “Morbius” sobrevivia à trama capenga com um visual neon avermelhado de boate brega para adornar a ação-horror.  

Por sua vez, “Madame Teia” é fiasco puro porque não tem nada para se pautar. É totalmente nulo no jeito que dialoga com a ficção-científica de viagem no tempo, é insosso na própria maneira que se apropria da fantasia em torno dos poderes mágicos da heroína e o mistério que envolve o passado dela é alimentado por ideias surgidas de um rascunho de uma redação da quinta série para agradar um público com idade mental de 15 anos.   

Estranhamente, o filme funciona melhor quando acompanha o dia a dia da protagonista – Dakota faz Cassandra Webb, uma jovem que trabalha como paramédica em uma ambulância, que descobre que ter o “dom” de prever o futuro. Já tudo que a envolve utilizando o poder para se transformar na Madame Teia e ajudar um trio de garotas perseguidas por Ezekiel (Tahar Rahim), o vilão da produção, é ladeira abaixo.

A impressão é que os quatro envolvidos na escrita do roteiro meio que chutaram o balde e resolveram entregar argumentos e diálogos ruins sustentados por uma narrativa bagunçada que nunca direciona o espectador para compreender os caminhos que levaram a personagem a se tornar Madame Teia, nem mesmo os seus conflitos antes e depois de adquirir seus poderes. Afinal qual a relação deles com a tribo das pessoas-Aranhas apresentado no prólogo? De que forma suas premonições foram ativadas? Qual a conexão do quarteto com Ezekiel? São tantas perguntas que o texto nem se preocupa em responder para dar uma visão, pelo menos, parcial da história junto ao espectador.  

Também não deixa de ser um desperdício o uso dos artifícios dramáticos de Cassandra em prever o futuro que tinha tudo para render ótimas reflexões sobre os perigos da utilização no espaço-tempo de um multiverso que poderia existir neste Sonyverse (ela seria a versão do Dr. Estranho), que até mesmo a confusão mental que a personagem experimenta durante as suas visões é encenada em uma estética pouco inventiva no campo audiovisual.  

Todas essas situações são apresentadas pela diretora S.J. Clarkson (seu primeiro trabalho no cinema, mas com grau de experiência sólida em dirigir séries televisivas como “Succession” e “Orange is the New Black”) por meio de uma narrativa desorganizada que coleciona diversas coisas sem sentido pelo caminho, anulando qualquer tipo de lógica na jornada de autoconhecimento da protagonista. Inclusive, a parte da fantasia que tinha tudo para gerar um filme brega divertido na essência – distante da seriedade dramática presente no universo da Marvel -, é equivocada pelo desperdício do material fantástico.  

BOM ELENCO DESPERDIÇADO

Esta ineficiência em criar a jornada de origem da heroína se estende aos personagens: A interação de Cassandra com as três meninas é ruim, nenhuma das quatro personagens é aprofundada, o vilão tem uma presença de cena totalmente inexpressiva (sem contar que mesmo fisicamente mais forte que o quarteto feminino, só toma uma decisão mais burra que a outra) e Madame Teia não produz na sua trajetória qualquer tipo de vínculo emocional com o público.  

E o pior que o elenco formado não é ruim, mas todos funcionam como meros rascunhos que jamais saem do papel. Dakota começa bem e vai se apequenando até ficar insípida, talvez, se dando conta da bronca que se meteu. E olha que ela manteve uma atuação digna na trilogia de “50 Tons de Cinza”, apesar de todos os buracos novelescos da franquia. Sydney Sweeney, adorável no recente “Todos Menos Você”, é totalmente desperdiçada em um papel que pouco agrega e faz o carisma da moça se perder na apatia da personagem.  

Adam Scott que faz Ben Parker, um dos raros personagens que gera afeição dentro do filme, é utilizado pelo roteiro apenas para preencher lacunas, sumindo e reaparecendo quando é conveniente para ele. E, por fim, é deprimente ver um ator competente do naipe de Tahar Rahim sendo colocado para escanteio na pele de um vilão de novela mexicana.   

CAOS TOTAL

Por meio do quarteto feminino, “Madame Teia” segue os mesmos passos erráticos de “As Marvels”, só que os potencializando. Tenta converter a mensagem de sororidade em algo relevante, mas não cria nada muito de especial, afinal as motivações e os posicionamentos das suas mulheres carecem de um sentido lógico de unidade e de engajamento no empoderamento emocional a partir das suas decisões.   

Acaba que quando as quatros estão juntas em cena é que os momentos mais novelescos da trama predominam, muito em razão do texto de autoajuda sentimentalista ao extremo e que expõe a falta de um teor dramático consistente. Para completar lá pelos 40 minutos do segundo tempo, o filme leva sua protagonista ao Peru apenas para um encontro fast food ordinário com o líder da tribo aranha para se reconectar ao seu passado, fazer as pazes com a mãe – a resolução do Édipo freudiano nunca foi tão fácil como “Madame Teia” sugere – e desta forma assumir sua real identidade no combate final.  

Junto a isso, todas as escolhas visuais feitas S.J. Clarkson são desenvolvidas de maneira confusa, onde é difícil identificar a profundidade de campo e qual a exata variação entre os ângulos e enquadramentos em relação a ação que discorre na tela. A própria perspectiva em torno das premonições de Cassandra é filmada por planos tremidos que dispersam a atenção devido à sensação de deslocamento. A sequência final é cereja do bolo, na qual a luta entre as heroínas com Ezekiel é tão caótica no seu embate que é difícil entender o que está acontecendo em tela. Disparada a pior luta filmada pela diretora.  

Se o trailer de “Madame Teia” já indicava a lógica do Barão de Itararé “de onde menos se espera é que não vai sair nada mesmo”, os créditos finais só confirmam a teia emaranhada confusa e composta pela falta de ideias práticas para resolver as situações propostas pelo roteiro. Sony conseguiu piorar o que já era ruim.