Escute esta premissa: Nicolas Cage, ator atribulado de meia-idade, teme que sua estrela esteja se apagando; o telefone já não toca mais, as propostas se tornaram escassas e o outrora astro procura uma última chance de voltar aos holofotes com tudo. Vida real, você diz? Na verdade, trata-se da premissa de “O Peso do Talento”, mais novo veículo de Cage que vem sendo laureado como a coroação de um comeback para o astro, após o queridinho dos críticos no ano passado, “Pig”.

Se há algo verdadeiramente fascinante em Nicolas Cage é o modo como o ator aborda seu trabalho a partir de uma miríade de referências pictóricas e literárias – algo que ele chama de “sincronicidade artística”. Isso significa que Cage é o único astro de Hollywood que você ouvirá discutindo uma performance em termos de, digamos, haiku japoneses. Também significa que Cage parece preferir navegar para longe do naturalismo – seja esbugalhando os olhos ao máximo em “O Beijo do Vampiro”, como uma figura saída de uma pintura expressionista, ou pulando e chutando o ar à sua frente em “Coração Selvagem”, seu corpo em um estupor espástico com a potência de mil letreiros em neon.

Este desejo de expandir a atuação no cinema para além do naturalismo pode explicar a “memeficação” do astro nos últimos anos. A premissa de “O Peso do Talento” parece indicar que o filme está, ao menos, ciente dessa nova faceta na persona de seu astro. Nele, Cage, endividado e sem perspectivas na carreira, aceita um convite para a festa de aniversário de um fã, Javi (Pedro Pascal), em troca de US$ 1 milhão de dólares. Uma amizade tem início e os dois decidem trabalhar em um roteiro juntos, mas Cage é cooptado pela CIA para espionar o amigo – que a agência suspeita ser um traficante internacional.

ENTRE A SÁTIRA E A SUBMISSÃO A HOLLYWOOD

Se a comédia é frustrante – e ela é – é porque um ator tão idiossincrático quanto Cage merecia um filme igualmente iconoclástico. Aqui, contudo, não há a criatividade necessária para que o filme demonstre o mesmo nível de inventividade que Cage traz para suas performances.

O resultado é uma incerteza em relação ao que o longa quer ser: uma sátira a Hollywood ou mais um produto desta mesma máquina? A trilha sonora engraçadinha fazendo fundo às trapalhadas de Cage, à la filme de família do Disney Channel, e o terceiro ato que descamba para um filme de ação protocolar parecem sugerir a segunda opção.

O que não significa que o longa não seja engraçado – ele é; mas ficamos na espera de uma maior convicção do filme em si mesmo. Antes, “O Peso do Talento” parece satisfeito em apenas usar o roteiro que Cage e Javi escrevem ao longo da trama para comentar a si mesmo. Isso parece, em parte, uma tentativa de se colocar enquanto sátira hollywoodiana; mas o resultado, já que o filme nunca descobre como utilizar seu astro de forma única, é uma espécie de salvaguarda em relação a possíveis críticas – como se a ironia fosse o suficiente para ocultar o fato de que o filme é, bom… genérico.

COMEBACK PARA VALER

A esta altura, talvez você se pegue pensando em “Adaptação”, de Spike Jonze. No filme, Cage aparece em papel duplo como Charlie Kaufman (o roteirista do filme), um roteirista lutando para adaptar um best-seller ao cinema, e Donald, o irmão (fictício). Só que Charlie Kaufman (o da vida real) é um sujeito que, para o bem ou para o mal, despreza fórmulas prontas no que diz respeito à narrativa – o que também pode resultar em um exercício morno e auto-indulgente como “Eu Estou Pensando Em Acabar com Tudo”.

Em “Adaptação”, no entanto, o ataque satírico é, a um só tempo, muito mais ácido e nonsense (como quando um crocodilo surge no terceiro ato) do que o que temos em “O Peso do Talento”  – e, consequentemente, muito mais memorável.

Uma pena. Nic Cage – um xamã e um rockstar, um monge zen e um cientista louco – merece mesmo ser catapultado de volta ao topo da indústria. Por ora, podemos apenas aplaudir as intenções benignas dos realizadores deste seu novo longa, e torcer para que filmes mais memoráveis possam, enfim, fazer jus a uma das carreiras mais extraordinárias da história do cinema.

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