Conhecer a própria família, muitas vezes, demora uma vida inteira. É a lição que as personagens de “Dear Ones”, nova produção tcheco-polonesa que estreou no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary deste ano, devem ponderar em seu próprio tempo. Exibido na mostra Leste do Oeste do evento, a dramédia tem momentos inspirados e diverte, ainda que o desenvolvimento de sua trama deixe a desejar.
Numa gélida Polônia invernal, os irmãos Piotr (Adam Bobik) e Marta (Izabela Gwizdak) recebem uma ligação preocupante de seu pai (Olaf Lubaszenko) e correm para vê-lo depois de um longo tempo. O patriarca tenta desconversar, mas acaba confessando que a esposa fugiu da casa depois de se viciar em jogos de azar. Sua aceitação passiva do fato gera em seus filhos uma vontade resoluta em encontrar a mãe e o trio começa uma busca atrapalhada e tragicômica.
A partir dessa premissa insólita, o diretor e roteirista Grzegorz Jaroszuk cria um pequeno conto sobre distâncias familiares e o trabalho necessário para revertê-las. Desde a primeira conversa, com seus silêncios estranhos, é possível notar que essa família se acostumou com a sua falta de estrutura e já não se conhece mais – e também que o pai parece determinado a mantê-la dessa forma. Isso fica ainda mais claro conforme a vida da mãe, que aparentemente se tornara uma espécie de agiota da vizinhança com o dinheiro do jogo, começa a ser descoberta pela família.
ROTEIRO AQUÉM DO POTENCIAL
O personagem de Bobik – um geek solitário que trabalha no mercado de ações, dependendo de cursos de auto-ajuda e fala com o que chama de “pedras mágicas” para tocar a vida em frente – é o centro das atenções do roteiro. Ele é obcecado com uma ideia de “ser normal” e não percebe como está longe de sê-lo. O que o move em busca da mãe é, em parte, uma vontade de restabelecer essa normalidade imaginária e as maneiras que o roteiro encontra para fazê-lo enxergar o absurdo dessa proposta são o ponto alto de “Dear Ones”.
Os outros membros da família, no entanto, jamais ganham os contornos de Piotr, o que empobrece o longa. O pai, que nem é nomeado, está claramente ocultando algo dos filhos, mas as razões para isso nunca são realmente (ou satisfatoriamente) discutidas. Marta se sai ainda pior: para além de seu casamento, mencionado quando a trama precisa estabelecer a última vez que os personagens se viram logo nos minutos iniciais, nada se sabe de sua vida atual nem do seu investimento emocional na busca pela mãe.
O acontecimento que vem, em tese, como uma surpresa para desestabilizar o terceiro ato e trazer a história a um desfecho vem com uma obviedade que tira muito do seu impacto. O deslize, ainda que não torne “Dear Ones” ruim, deixa um sabor insosso na boca e um senso de oportunidade perdida na mente. Quando funciona, no entanto, o longa de Jaroszuk provê uma boa reflexão sobre as coisas que tornam um grupo de pessoas uma família – e o que resta no vazio deixado quando essas coisas somem.