“Crip Camp: Revolução pela Inclusão” é o novo documentário da Netflix com produção executiva do casal Barack e Michelle Obama e aborda um momento da história do ativismo social do qual nem temos consciência hoje porque os benefícios desse movimento foram amplamente assimilados. O filme serve como registro e, felizmente, também é bem produzido e interessante como obra cinematográfica.
O documentário, dirigido por Nicole Newnham e Jim LeBrecht, examina fatos ocorridos num momento muito especial da história dos Estados Unidos: é o início dos anos 1970, o país está saindo da era do flower power e do ideal hippie e passando para a Guerra do Vietnã e das lutas sociais, notadamente do movimento pelos direitos civis dos negros. Um lugar onde o sonho hippie parecia não ter morrido era o Camp Jened, um daqueles acampamentos de férias de verão, localizado no Estado de Nova York. O Camp Jened era especializado em receber crianças e adolescentes com deficiências físicas, pessoas que, na época, eram quase que totalmente ignoradas pela sociedade. Em 1971, o Jened recebeu dezenas de jovens com variados graus de deficiências, e proporcionou a eles, por algum tempo, um local onde pudessem viver em paz e amor. LeBrecht, co-diretor de Crip Camp, foi um desses jovens.
E então, nos anos seguintes, vemos como vários daqueles jovens começaram a se organizar e a fazer parte do movimento pelos direitos dos deficientes físicos. Nós os vemos lutar por acessibilidade, para poder trabalhar e para serem vistos como cidadãos. O mundo não estava nem um pouco preparado para eles, mas graças aos seus atos, as vidas de portadores de deficiências em todo o mundo mudaram para melhor devido aos seus esforços. Apesar de LeBrecht começar narrando o documentário, ele logo cede o espaço para a carismática Judy Heumann, que cria a organização “Disabled in Action” e passa a liderar a luta pelos direitos das pessoas com deficiência.
RIQUEZA DE ARQUIVOS
A primeira meia hora do documentário é toda no Camp Jened e, a partir daí, vemos a luta do movimento. O que mais impressiona em Crip Camp é o incrível trabalho de pesquisa de material: vemos imagens de arquivo gravadas pelos próprios campistas na época – nas quais fica clara a importância da compreensão e da amizade para melhorar o bem-estar de pessoas com graves problemas físicos – e depois, imagens de época das ações do movimento, noticiários e gravações que, sem dúvida, devem ter consumido um grande tempo e investimento da produção. Um dos maiores méritos de Crip Camp é realmente nos transportar para aquele tumultuado momento histórico.
Além dessas imagens da época, o filme é composto também das tradicionais entrevistas e depoimentos. Uma parte deles, aliás, é sobre a vida sexual dos campistas, um assunto quase nunca abordado ou referido quando se fala de pessoas com deficiências, o que ajuda a humanizá-las e a deixar “Crip Camp” um pouco mais divertido e leve – digamos que no Camp Jened, entre a paz e o amor, o segundo era mais praticado…
Apesar desses toques bem humanistas, Crip Camp não é um filme sem problemas. Com 1h48 minutos de duração, às vezes parece um pouco longo demais e não segura inteiramente o interesse do espectador. E a reunião dos personagens ao final, apesar de ser tocante, não deixa de ser um pouco clichê e emocionalmente manipulativa.
Mas esses são problemas pontuais. Seguindo os passos de “Indústria Americana”, o documentário anterior da parceria entre a Netflix e os Obamas vencedor do Oscar, Crip Camp conta uma história grandiosa, um capítulo realmente importante da luta pelos direitos das minorias, com um enfoque humano e pessoal capaz de nos faz rir e nos emocionar em alguns momentos. Ao contar essa história, os cineastas e produtores fazem algo mais do que o simples resgate histórico: eles, na verdade, enfocam uma revolução que nasceu do amor, um movimento nascido do simples despertar da humanidade de algumas pessoas, humanidade essa que lhes foi negada até aparecer um lugar no qual elas podiam receber carinho e ser elas mesmas, se tornando assim mais do que a soma das suas deficiências.