Sou apaixonada por reality shows. Gosto de acompanhar a trajetória dos concorrentes, analisar suas participações, discutir sobre o programa – no Twitter e na roda de amigos – e contemplar artistas muito bons alcançarem a oportunidade que desejavam. Essas atividades são os elementos que tornam apreciável assistir “Festival Eurovision da Canção – A Saga de Sigrit e Lars”, longa-metragem disponível na Netflix.
Dirigido por David Dobkin (“O Juiz”, “Eu Queria Ter a Sua Vida”), a produção conta a história de Sigrit (Rachel McAdams) e Lars (Will Ferrell), que juntos formam a Fire Saga. Desde criança, eles sonham em participar do Eurovision, considerado o maior festival musical da Europa, mas são desacreditados pelas pessoas de sua pequena cidade na Islândia. Como, na maioria das paródias, eventos inusitados os levam ao palco da competição e a uma breve análise sobre suas vidas.
A História do Festival
Um fenômeno na TV européia e o evento não esportivo de maior audiência mundial, o Eurovision atinge anualmente cerca de 190 milhões de espectadores no mundo todo. O festival funciona basicamente como um reality musical que reúne representantes de toda a Europa, avaliados pelos votos do público e dos jurados convidados. Cada país indica seu representante – alguns como Portugal e Itália, inclusive, possuem eliminatórias – que vão passando por fases até chegarem à final.
O festival surgiu com o propósito de integrar os países europeus após a Segunda Guerra Mundial em uma noite na qual todos deixam de lado suas diferenças culturais e políticas. Curiosamente, o filme de Dobkin estreia no momento em que o festival foi cancelado devido à pandemia de Covid-19.
Diferentemente do que vemos nos reality shows no novo mundo, os competidores do Eurovision costumam ser artistas já consagrados em seus países, o que não deixa de ser, em todo caso, uma vitrine do que está sendo tendência na Europa. Em meio à competição, o importante é a jornada e não o fim. E é sobre esses caminhos que a saga de Sigrit e Lars tenta abordar.
Uma homenagem?
A principal questão é que o filme se pauta em ser uma paródia – do festival e dos musicais contemporâneos, no estilo de John Carney (“Mesmo se Nada Der Certo”, “Sing Street”). E é neste ponto que a produção derrapa: o resultado é uma comédia que tenta se equilibrar em uma linha tênue entre satirizar e exaltar o evento. Dessa forma, o roteiro escrito por Andrew Steele e Will Ferrell é construído com piadas de mau gosto e fora de tom e outras de cenas de puro encanto e êxtase.
A produção coloca em cena os principais elementos que tornam esse reality em específico um ícone: os bastidores das apresentações, as intrigas da coxia, número musicais pirotécnicos (e cafonas), apresentações que são um verdadeiro primor do entretenimento televisivo e músicas originais que emocionam e excitam. Não duvidaria se ‘Húsavik Song’, por exemplo, fosse indicada as premiações de 2021.
Se você quer imergir no clima do Eurovision, no entanto, o personagem de Dan Stevens é quem mais o personifica. Tanto a performance de “Lion of Love” quanto suas atitudes dúbias são um verdadeiro lembrete e presente para os fãs que estão com saudade do festival. O personagem também é o responsável por nos presentear com uma das melhores sequências do filme: a performance de hits feitas por ex-competidores populares como ‘Conchita Wurst’ e ‘Netta Barzilai’.
WILL FERRELL E RACHEL ADAMS: PONTOS BAIXOS E ALTOS
Apesar de Ferrell ser um dos maiores incentivadores da produção, ele acaba sendo o ponto mais baixo da obra. Além da oscilação no roteiro, a composição do seu personagem é irritante e enfadonha. No geral, tanto Sigrit quanto Lars são deslocados, adultos com atitudes de adolescentes e presos aos anos 1980 em pleno 2020. Nesse emaranhado, no entanto, Rachel McAdams consegue ser o maior destaque de “Eurovision”: sua atuação nas músicas – na verdade, interpretadas pela cantora sueca Molly Sanden – e a ingenuidade da personagem emprestam o tom romântico que, além de ser um dos poucos acertos do roteiro, tem o timing cômico pontual sem apelar a exageros.
Infelizmente, fiquei com a sensação de que ela repete o papel que fez em “Te Amarei Para Sempre” (Robert Schwentke, 2009): a mulher fantástica que larga tudo por um homem medíocre ou que não vale tanto o seu esforço. Por mais corriqueiro que isso ainda seja no cinema, é extremamente desagradável.
“Eurovision” é uma experiência positiva para os amantes de reality show e comédia besteirol. Com certeza, vai te fazer matar a saudade desses queridos programas de entretenimento que estão suspensos devido à pandemia. Mas não é algo a ser levado a sério demais a não ser quando ouvimos a nota ‘Speog e os acordes de suas canções, até mesmo as mais satíricas como ‘Volcano Man’.