O que você faz depois de abalar as estruturas de uma das maiores franquias cinematográficas da história? Pois Rian Johnson resolveu voltar às origens. “Entre Facas e Segredos”, seu primeiro filme desde “Star Wars: Os Últimos Jedi”, é uma comédia sensacional que remete a “A Ponta de Um Crime”, longa de estreia dele, e faz o melhor uso possível de seu elenco estelar. 
 
Enquanto “A Ponta de um Crime” mostrou Johnson transpondo o cinema noir e as histórias de detetive para um ambiente colegial, “Entre Facas e Segredos” vê o cineasta reescrevendo Agatha Christie nos Estados Unidos de Trump. O filme, exibido em sessões lotadas no festival de Toronto, onde estreou, e de Londres, traz o humor, sempre presente na obra de Johnson, como espinha dorsal definitiva. 

Nele, o célebre autor de suspenses Harlan Thrombey (Christopher Plummer) aparece com a garganta cortada na manhã seguinte ao seu aniversário de 85 anos. A tese primária da polícia é suicídio. Pelo menos até a chegada de Benoit Blanc (um hilário Daniel Craig), detetive contratado anonimamente para investigar o caso.  
 
Como era de se esperar, Blanc vai descobrindo que, durante a festa da noite anterior, a maioria dos membros da família teve algum tipo de briga séria com Harlan, e todos na casa se tornam suspeitos em potencial. Mesmo usando elementos conhecidos, “Entre Facas e Segredos” brinca com as expectativas dos espectadores a cada instante, fazendo com que a morte de Harlan passa a ser um detalhe em um contexto muito mais amplo. 

DIVERSÃO COM ACIDEZ CRÍTICA 

Ainda que todo o elenco – que inclui Jamie Lee Curtis, Michael Shannon e Toni Collette – esteja em ótima forma, Ana de Armas merece um reconhecimento especial por sua performance como Marta Cabrera, a enfermeira responsável pela saúde do patriarca. 
 
Como no Brasil, ela é a pessoa chamada de “quase da família”, mas que vê a real face da convivência nos detalhes. Todos dizem respeitá-la, mas não se lembram de que país sul-americano sua família vem. Apreciam o seu trabalho, mas acreditam veladamente que a mãe dela, imigrante ilegal, deveria ser deportada. 
 
O melhor desse subtexto é como Johnson o usa, juntamente com outros, para tratar de uma questão imperativa na produção: a legitimidade. Quando Marta é incluída no testamento de Harlan, a família questiona se ela tem direito a isso; quando Blanc começa a chegar perto de verdades incômodas, os presentes questionam se ele pode, na capacidade de investigador privado, estar no caso. 
 
“Entre Facas e Segredos” consegue trabalhar tudo isso em meio a uma história tradicional, homenageando um gênero estabelecido, mas trazendo-o com firmeza para os tempos atuais. O mistério em si é, nas palavras do detetive, algo como uma série de eventos com um buraco no meio – ou, como ele compara logo depois, “uma rosquinha”. Quem saboreia é o público. 

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