Ryan Murphy é um dos showrunners mais populares do mundo do entretenimento. Apaixonado por cultura pop, o autor de sucessos como “Glee”, “American Horror Story”, “Pose” e “Feud” passeia em diversos gêneros apresentando histórias carregadas de referências e sarcasmo presentes em uma linha tênue entre o real e o hiperbólico. Todos os elementos que o tornam tão apreciado comparecem em sua primeira parceria com a Netflix: The Politician.

A trama acompanha Payton Hobart (Ben Platt), um adolescente que sonha em ser presidente dos Estados Unidos. Para isso, traça um plano de vida baseado na biografia de líderes americanos: ter as melhores notas, se tornar presidente do grêmio estudantil e entrar em Harvard – universidade responsável por formar o maior número de presidentes norte-americanos. Para auxiliá-lo na jornada política, estão a namorada Alice (Julia Schlaepfer) e os amigos James (Theo Germaine) e McAfee (Laura Dreyfuss), que desenvolvem várias estratégias para garantir o sucesso do candidato Isso inclui, por exemplo, recrutar uma jovem com câncer Infinity (Zoey Deutch) como vice para garantir os votos de comoção. Competindo com ele, há a ambiciosa Astrid (Lucy Boynton) e seu namorado River (David Corenswet), que também se arriscam na disputa pela presidência da escola.

As abordagens de Murphy

Como esperado de uma produção adolescente que aborda política, “The Politician” é envolta de traições, reviravoltas, triângulos amorosos e escândalos, mas sempre com a pitada de sarcasmo e humor característicos de Ryan Murphy. Apresentando um desconforto proposital, o roteiro da série é capaz de falar de coisas sérias de maneira descontraída, e, por conta disso, abordar questões mais profundas ligadas à saúde mental e a busca por sucesso.

Um exemplo da eficácia e respeito do roteiro com as temáticas escolhidas é a naturalidade como a bissexualidade é apresentada. Não há invisibilidade, preconceito ou bizarrices: tudo é muito fluido e tangível. Os sentimentos de Payton por Alice e River não são questionados ou vistos com desdém, mas são importantes de formas distintas para que o personagem possa crescer como político e pessoa.  

O jogo político, aliás, está constantemente em todos os parâmetros narrativos e Murphy, assim como George R.R. Martin fez em “Game of Thrones”, torna-o acessível e popular. Demonstrando que a política está em todas as esferas e todos participam dela, até mesmo aquele que se diz isento e não quer estar ou ignora a existência do game.

Pastiche e referenciais

“The Politician” ainda exalta uma das funções imprescindíveis em qualquer movimento que envolva público: o assessor. No primeiro episódio, James e McAfee afirmam que não são carismáticos o suficiente ou capazes de estarem diante do público para concorrerem a algo, entretanto, são os verdadeiros responsáveis para que a campanha de Payton triunfe por meio de suas estratégias, avaliação de métricas e fidelidade ao seu candidato. A maneira de agir deles remete a Stanley Motss de “Mera Coincidência”, e não duvido nada que seriam capazes de ir a situações extremas para defender Payton, assim como o assessor interpretado por Dustin Hoffman. A série é uma bela resposta a quem indaga: o que faz o profissional de relações pública.

A produção da Netflix também é eficiente em acompanhar o timing das discussões do mundo pop. Prova disso é o núcleo de Infinity e sua avó (Jessica Lange, no que pode ser seu último trabalho, devido a aposentadoria auto imposta), que abordam de forma descontraída a Síndrome de Munchhausen por procuração, discutida no último ano em “Sharp Objects” e “The Act”. O comportamento das personagens é claramente uma sátira as produções, chegando a repetir cenas e reencenar diálogos com tons mais irônicos.

Já no sentido estético, os cenários e figurinos apresentam cores vivas e vibrantes valorizando as formas geométricas na composição com um certo toque de Wes Anderson. Quanto à escolha de planos e movimentos de câmera, a direção bebe da estética de David Fincher utilizando uma câmera no tripé que se aproxima e se distancia das cenas e objetos, especialmente quando os planos envolvem a escola e a mansão de Payton.

Ecos de “Glee”

Payton é um típico protagonista do multiverso de Ryan Murphy: cínico, excêntrico, autocentrado e capaz de despertar o interesse do espectador. Com o decorrer da trama, o personagem passa a si questionar se realmente vale a pena se prender ao projeto que traçou para toda sua vida. Nesse ponto, sua jornada se assemelha bastante a outra figura emblemática do autor: Rachel Berry, a protagonista de “Glee”. Ambos possuem uma ambição avassaladora, que com o andamento de seus arcos narrativos, tentam aprender a ressignificar suas ações.

A presença de Ian Brennan e Brad Falchuk na criação da série salientam esse eco de Berry, visto que uma de suas parcerias com Murphy é justamente “Glee”. Esse fato, também, auxilia na compreensão do tom carismático e surreal que perpassa “The Politician”. Se por um lado, isso é positivo devido à receptividade do público, por outro se torna um problema: o último episódio procura literalmente ser a reencarnação da série musical.

Viena e seu potencial desperdiçado

O ritmo nos primeiros quatro episódios da série é dinâmico e cria uma atmosfera folhetinesca, que deixa um gostinho de “quero saber como isso vai acontecer”. A partir do sexto episódio, no entanto, há uma quebra de narrativa que não consegue dar prosseguimento às discussões anteriores e acaba por jogar novas informações em tela que não foram trabalhadas previamente, tornando-as desconexas e soltas. Até desaguar no fatídico “Viena”.

A proposta desse episódio seria bem mais eficaz se (1) tivesse sido trabalhado algo que os levasse a esse lugar e (2) se as tramas tivessem sido amarradas anteriormente. Entretanto, tudo fica no ar – a história de Infinity, as eleições na escola, o futuro de Payton e sua trupe – e o espectador é transportado há um episódio da quarta temporada de “Glee” em que Blane toca piano no bar com a voz embargada de álcool e culpa. “The Politician” se torna um spin off das desventuras de Rachel em Nova York. Um desfecho insalubre para uma série que caminhou tão bem.

“The Politician” é como um filho de Ryan Murphy com o pior e o melhor do showrunner. A produção agrega um ótimo elenco entre veteranos, oscarizados e a estrela da Broadway Ben Platt, para mergulhar no contexto político de forma descontraída e exagerada. Para quem está acostumado ao tom dos projetos do autor, isso é de fácil recepção e crédito. Já para quem ainda não se habituou a sua estética pode se chocar. De qualquer maneira, a produção possui personagens marcantes e temáticas interessantes que poderão ser exploradas melhor conforme as temporadas avancem.

‘Ripley’: série faz adaptação mais fiel ao best-seller

Vez por outra, o cinema – ou agora, o streaming – retoma um fascínio pela maior criação da escritora norte-americana Patricia Highsmith (1921-1995), o psicopata sedutor Tom Ripley. A “Riplíada”, a série de cinco livros que a autora escreveu com o personagem, já...

‘O Problema dos 3 Corpos’: Netflix prova estar longe do nível HBO em série apressada

Independente de como você se sinta a respeito do final de Game of Thrones, uma coisa podemos dizer: a dupla de produtores/roteiristas David Benioff e D. B. Weiss merece respeito por ter conseguido transformar um trabalho claramente de amor - a adaptação da série...

‘True Detective: Terra Noturna’: a necessária reinvenção da série

Uma maldição paira sobre True Detective, a antologia de suspense policial da HBO: trata-se da praga da primeira temporada, aquela estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, e criada pelo roteirista/produtor Nic Pizzolato. Os grandiosos oito episódios...

‘Avatar: O Último Mestre do Ar’: Netflix agrada apenas crianças

Enquanto assistia aos oito episódios da nova série de fantasia e aventura da Netflix, Avatar: O Último Mestre do Ar, me veio à mente algumas vezes a fala do personagem de Tim Robbins na comédia Na Roda da Fortuna (1994), dos irmãos Coen – aliás, um dos filmes menos...

‘Cangaço Novo’: Shakespeare e western se encontram no sertão

Particularmente, adoro o termo nordestern, que designa o gênero de filmes do cinema brasileiro ambientados no sertão nordestino, que fazem uso de características e tropos do western, o bom e velho faroeste norte-americano. De O Cangaceiro (1953) de Lima Barreto,...

‘Novela’: sátira joga bem e diverte com uma paixão nacional

Ah, as novelas! Se tem uma paixão incontestável no Brasil é as telenovelas que seguem firmes e fortes há 60 anos. Verdade seja dita, as tramas açucaradas, densas, tensas e polêmicas nos acompanham ao longo da vida. Toda e em qualquer passagem de nossa breve...

‘Gêmeas – Mórbida Semelhança’: muitos temas, pouco desenvolvimento

Para assistir “Gêmeas – Mórbida Semelhança” optei por compreender primeiro o terreno que estava adentrando. A série da Prime Vídeo lançada em abril é um remake do excelente “Gêmeos – Mórbida Semelhança” do genial David Cronenberg, como já dito aqui. O mundo mudou...

‘A Superfantástica História do Balão’: as dores e delícias da nostalgia

Não sou da época do Balão Mágico. Mesmo assim, toda a magia e pureza desse quarteto mais que fantástico permeou a infância da pessoa que vos escreve, nascida no final daquela década de 1980 marcada pelos seus excessos, cores vibrantes, uma alegria sem igual e muita...

Emmy 2023: Previsões Finais para as Indicações

De "Ted Lasso" a "Succession", Caio Pimenta aponta quais as séries e atores que podem ser indicados ao Emmy, principal prêmio da televisão nos EUA. https://open.spotify.com/episode/6NTjPL0ohuRVZVmQSsDNFU?si=F1CAmqrhQMiQKFHBPkw1FQ MINISSÉRIES Diferente de edições...

‘Os Outros’: por que a série da Globoplay assusta tanta gente? 

“Não vou assistir para não ter gatilhos”, “estou com medo de ver esta série”, “vai me dar pesadelos”. Foi comum encontrar frases como estas pelo Twitter em meio à repercussão causada por “Os Outros”. Basta ler a sinopse ou assistir aos primeiros minutos da produção da...