“Um Lugar Silencioso” foi um dos meus filmes favoritos de 2018. A ambientação, o uso de recursos sonoros e a narrativa capaz de gerar tantas leituras e interpretações foram aspectos determinantes para a catarse causada e suscitar indagações quanto a necessidade de uma sequência.

Depois de mais de um ano de atraso, a continuação do filme dirigido por John Krasinski chega ao público contendo os mesmos itens que cativaram anteriormente. O roteiro expande o universo já conhecido em uma trama que caminha pouco, por vezes, soa episódica, mas se concentra em mostrar outro lado da família Abbot; com destaque para Millicent Simmonds e Noah Jupe.

A trama não poderia dialogar melhor com os últimos meses: uma família que tenta sobreviver em meio a Terra desolada por uma ameaça desconhecida. A narrativa parte exatamente do ponto em que os vimos anteriormente: com a fazenda destruída, eles precisam encontrar um novo abrigo, sem saber que tipo de criaturas poderão esbarrar – entre humanos e predadores. Tudo isso no mais absoluto silêncio.

DINAMISMO EM MEIO À TENSÃO

Krasinski investe em mesclar os elementos já conhecidos de terror com ação. Fica explicito já na cena inicial, quando um flashback explica questionamentos suscitados no primeiro filme, como o evento que desencadeou o caos daquele universo.

Esse momento é importante para compreendermos a movimentação da sequência: o diretor brinca com referências e utiliza a fotografia de Polly Morgan (“Lucy in the Sky”) para criar uma tensão angustiante que se desenrola em movimentos dinâmicos, entretanto, frenéticos e sufocantes.

Tudo isso casa com o silêncio já habitual à narrativa e adiciona sensações fortes de desespero, pavor e opressão. As consequências da morte de Lee (Krasinski) são o fio condutor da história que se desdobra em três núcleos a fim de aprofundar a personalidade dos Abbott.

Enquanto a mãe (Emily Blunt) caminha pelas ruas da cidade em busca de remédios, Marcos (Noah Jupe) tenta fazer o irmãozinho não chorar a fim de deixar os monstros longe; ao mesmo tempo em que espera notícias de Reagan (Millicent Simmonds), que vive com o personagem de Cillian Murphy uma jornada em busca de um lugar seguro.

JOVENS ATORES APONTAM PARA O FUTURO

Jupe, que rouba a cena desde “Extraordinário” e brilhou em “The Undoing” no último ano, carrega a sensibilidade de saber a fase a qual sua persona vivencia e o maior percurso de transformação do roteiro. Transformando-se de menino inseguro a capaz de defender a quem ama. Quem também se destaca é Simmonds: ela já era uma peça fundamental neste universo, contudo torna-se a protagonista moral da trama.

Com a saída de Krasinski do elenco, ela assume as rédeas da produção e conquista essa posição não só pela trajetória, mas também por seu carisma e expressividade. Mais um acerto para as escolhas do diretor. O elenco adulto não consegue se destacar diante do adolescente, o que não significa que esteja desnivelado – apenas aponta para o futuro da franquia.

Com cenas de ação mais bem trabalhadas diante do terror e um elenco em crescimento, “Um Lugar Silencioso 2” continua discutindo elementos semelhantes aos já estabelecidos. Krasinski aposta na expansão de seu universo e acerta com êxito, apesar da trama parecer episódica. Mais um exemplar de cinema moldado de acordo com a nossa nova realidade.

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