“Sundown”, novo filme do mexicano Michel Franco (“Depois de Lúcia”), tenta responder a velha pergunta: como seria começar de novo? A produção com Tim Roth (“Luce”) e Charlotte Gainsbourg (“Ninfomaníaca”), que teve estreia em Veneza e foi exibida no Festival de Londres deste ano, sofre com um ritmo letárgico e uma abordagem muda que não ajuda em nada sua trama pouco dramática. Sozinhos, seus subtextos válidos – já abordados de melhor forma em outras longas – não a sustentam.

Roth interpreta Neil, um bon vivant caladão que está de férias no México com a irmã Alice (Gainsbourg). Quando a mãe deles morre e os dois têm de voltar subitamente para a sua nativa Inglaterra, Neil finge ter perdido o passaporte e fica no local. Ele arranja um quarto, passa a bater ponto na praia enchendo a cara todos os dias e começa um romance com uma jovem local. Quando a vida real vem bater à porta, tudo o que ele conhece sai do eixo.

INÉRCIA TOTAL

O roteiro, escrito por Franco, quer falar sobre a bancarrota moral de membros do 1% e das amplas repercussões que decisões mesquinhas podem causar. Em ações erráticas, Neil se mostra um sociopata de marca maior, incapaz de sentir qualquer coisa ou de ter empatia mesmo por entes próximos.

A fuga para o México vem de um desejo de escapar das poucas responsabilidades que tem – doa a quem doer -, mas não do estilo de vida luxuoso que tem como herdeiro e acionista de uma grande firma. Ao mesmo tempo em que diz que dinheiro não importa, ele consegue um acordo que lhe concede uma gorda pensão vitalícia quando o desentendimento com a irmã se torna insustentável, por exemplo.

Infelizmente, Franco deixa esses temas soltos, não muito diferente da forma como Neil fica depois de despistar Alice: jogado do lado de fora esperando o sol fazer todo o trabalho. “Sundown” é só insinuação e inércia, com acontecimentos indo e vindo entre longas pausas e não deixando impressão – irônico para um filme que quer questionar consequências.

REVIRAVOLTA SEM POTÊNCIA

Essa abordagem faz os curtos 83 minutos da produção parecerem intermináveis. Tanto que, depois de uma hora de vários nadas, quando uma reviravolta desencadeia o terceiro ato e injeta energia no filme, o dano já está feito.

O ato em questão dá nova perspectiva à decisão de Neil, mas não dá nenhuma carga dramática extra ao filme. De fato, quando ocorre, ainda que ele não seja esperado, a sensação de que algo do tipo era inevitável é inafastável.

Em tom, “Sundown” se assemelha aos estudos de personagem naturalistas do início da carreira de Franco – milhas distantes do raivoso e apocalíptico “New Order”, que causou controvérsia em Veneza no ano passado. Porém, a análise da fraqueza do homem tóxico contemporâneo vem apática e sem dentes – muito parecida com seu protagonista.

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