A dança do personagem de Irandhir Santos ao som de “Fala”, de Ney Matogrosso, sintetizava toda a beleza de “A História da Eternidade” e o talento do recifense Camilo Cavalcante logo no trabalho de estreia na direção de longas. A expectativa em torno do segundo longa de ficção era grande e chega, agora, com “King Kong em Asunción”, produção responsável por fechar a mostra competitiva de longas-metragens do Festival de Gramado 2020. Infelizmente, o projeto entendia com sua verborragia e momentos desnecessários em excesso, diminuindo o impacto de ótimas ideias e alguns bons momentos.
Road-movie com toques de western e cinema experimental, “King Kong em Asunción” acompanha um matador de aluguel (Andrade Júnior, brilhante em seu último papel), escondido em uma região desértica na Bolívia após um último serviço. Para receber a recompensa, ele encara uma nova viagem e vai parar no Paraguai, onde também irá rumo à capital encontrar a filha, a qual acaba de saber da existência.
Semelhante a “Um Animal Amarelo”, de Felipe Bragança, Camilo Cavalcante parte de seu protagonista para explorar as entranhas e feridas sociais de uma região, aqui, no caso, América Latina. A violência e repressão contra a população mais pobre destes países, imposta pelo Estado e as elites dos países da região, se mostra cíclica, levando à miséria moral, social e econômica, além de traumas capazes de assombrar a vida até mesmo de seus algozes – “memória é laço”, diz a narradora interpretada por Ana Ivanova em guarani a partir de um texto da autora gaúcha Natália Borges Polesso.
Quando concatena isso, “King Kong en Asunción” consegue o impacto desejado com cenas inesquecíveis como os fantasmas das vítimas, o segredo do passado do matador, o seu triste olhar para um espelho, no encontro de velhos amigos com garotas de programas e até mesmo ao radicalizar totalmente com os quadros de Temer, Collor, Fujimori, Pinochet e outras atrocidades políticas locais.
NO LIMITE DA EXAUSTÃO
Para chegar nestas sequências, porém, “King Kong en Asunción” cobra demais da paciência e boa vontade do espectador. O roteiro de Camilo Cavalcante abusa da verborragia durante a narração presente durante quase toda projeção. Apesar de boas reflexões relativas à memória e dar o tom da degradação latino-americana, muitas vezes, cada linha dita por Ivanova parece querer ser mais grandiloquente que a anterior e intrusiva até mesmo ao que o diretor consegue captar tão bem visualmente.
A montagem complica ainda mais a experiência, afinal, há sempre mais uma estrada, há sempre mais um rosto, há sempre mais alguma paisagem para ser mostrada. Por mais linda seja que a direção de fotografia de Camilo Soares, se faça um contraponto com jornada martirizante do protagonista e haja, de fato, um lirismo em enxergar aquelas pessoas tão esquecidas e massacradas em registro quase etnográfico, o excesso é tamanho que chega um ponto em que somente dá para desejar o fim daqueles momentos para ver a trama voltar a avançar.
Não dá para negar a contundência de Camilo Cavalcante sobre a temática urgente visto o crescimento de um discurso autoritário voltando a ganhar força na América do Sul e a beleza visual de “King Kong en Asunción”. Por outro lado, a narrativa escolhida para desenvolver tudo isso acaba mais repelindo do que atraindo a nossa atenção.