Neste artigo, vamos repassar um pouco sobre o que foi 2020 para o cinema de terror mundial, um ano em que a atividade cinematográfica enfrentou uma crise sem precedente em sua história. O terror sempre foi um dos gêneros mais resistentes – e lucrativos – do cinema, e como tal, acabou se tornando uma alternativa viável ao cenário desolador de 2020.

Os cinemas fecharam… mas o terror não morreu

Ruas desertas… Cidades com aspecto de abandonadas… Parece cenário de vários filmes de zumbis, mas foi o que vimos na vida real ao redor do mundo em 2020. A pandemia de Covid-19 fechou cinemas no mundo todo e acelerou um processo que já estava em curso, a “domestificação” da indústria cinematográfica. Os grandes blockbusters tiveram suas estreias adiadas, fazendo o setor exibidor amargar um prejuízo nunca antes visto. É a natureza do negócio: filmes gigantescos precisam das plateias mundiais e da ida às salas para serem viáveis financeiramente. Mas filmes pequenos, em geral, já não precisam tanto assim das salas. E filmes de terror, geralmente, são pequenos. São baratos para produzir e para criar marketing. Por isso, os lançamentos do gênero em plataformas de streaming e VOD (video on demand) foram mais ou menos constantes durante o ano todo, e para cineastas, o terror se mostrou uma janela artística e uma possibilidade real de produção.

Ora, nos Estados Unidos um dos maiores sucessos do gênero no ano, o ótimo O Homem Invisível, foi muito bem nos cinemas e poderia ter ido até melhor se a pandemia não tivesse fechado as salas no país, o que fez com que o estúdio Universal não perdesse tempo e disponibilizasse o longa em VOD enquanto ainda estava em vários multiplexes do mundo. Na Coréia do Sul, aconteceu algo parecido com o filme de zumbis #Alive, que foi um grande sucesso de bilheteria por lá quando os cinemas reabriram, apenas para ser levado para a Netflix quando uma segunda onda de Covid-19 forçou as salas a fechar de novo. Ambos os filmes não precisaram tanto assim da sala escura para alcançar boa repercussão e se deram muito bem no conforto de nossas casas.

A Blumhouse teve um bom 2020

Sabe quem produziu O Homem Invisível? A Blumhouse, companhia do produtor Jason Blum que hoje é uma das mais bem-sucedidas de Hollywood, apostando em produções baratas e que quase sempre recuperam o investimento. A Blumhouse produz muitos filmes de terror e suspense, mas produziu também o drama indicado ao Oscar Whiplash (2014) de Damien Chazelle. Blum voltou a disputar o Oscar com Corra! (2017) de Jordan Peele e Infiltrado na Klan (2018) de Spike Lee.

Este ano a produtora também lançou nos cinemas A Ilha da Fantasia, que não foi AQUELE sucesso, mas se deu bem (48 milhões de dólares de bilheteria mundial contra 7 milhões de orçamento), e A Caçada, cuja polêmica a respeito de sua história fez a estreia ser adiada de 2019 para o começo de 2020.

Mas foi no VOD e streaming que a grife da Blumhouse demonstrou sua força. Além do sucesso desses títulos nas plataformas domésticas, teve também o acordo deles com a Amazon Prime Video para lançamento do selo Welcome to the Blumhouse. Quatro longas foram lançados em 2020, com mais quatro programados para o ano que vem. E aí vem a esperteza do Jason Blum: os quatro primeiros já lançados – Mentira Incondicional, Caixa Preta, Noturno e Mau-Olhado – ou são produções antigas (Mentira foi exibido em 2018 em festivais!), ou que não encontrariam espaço no mercado de exibição tradicional. Ao invés disso, funcionam melhor na TV. Na verdade, os quatro são bem fraquinhos, mas quem disse que qualidade entra nessa equação? O que importa para um produtor é vender e trazer visibilidade para seu produto, e isso a Amazon garante. Ah, a propósito, A Ilha da Fantasia também é muito ruim. Às vezes a Blumhouse acerta, muitas vezes erra, mas no fim das contas isso nem importa tanto. O futuro imediato, para eles, parece bom.

A onda do “pós-horror” continua

Detesto esse termo, como já escrevi a respeito no Cine Set (clique aqui). Mas, em 2020, algumas obras categorizadas na classificação do “pós-horror” se notabilizaram, sejam pelos temas abordados ou mesmo pela qualidade das produções.

Os exemplares do “pós-horror” deste ano até agora foram filmes bem contidos – às vezes ambientados numa única locação – que exploraram temas psicológicos e contaram com boas atuações e clima para compor suas histórias assustadoras. Da Austrália, Relic, da diretora Natalie Erika James, trabalhou com temas de deterioração mental e física e fragmentação familiar. A produção anglo-canadense O Chalé (The Lodge), novo trabalho da dupla de diretores de Boa Noite, Mamãe (2014) Veronika Franz e Severin Fiala, trouxe um forte desempenho de Riley Keough numa história de confinamento e loucura meio que apropriada para o ano da pandemia. Pessoalmente, não chego a morrer de amores por nenhum dos dois, mas reconheço que são interessantes e possuem qualidades.

Outros títulos como Vigiados, de Dave Franco (disponível na Amazon Prime Video), e Antebellum, de Gerard Bush e Christopher Renz, também se mostraram experiências de “pós-horror” que tentaram aliar sensibilidades modernas e temáticas relevantes a clichês e histórias antigas.

Tivemos uma boa adaptação de H.P. Lovecraft

Exceto pelas obras do diretor maluco Stuart Gordon nos anos 1980, o cinema sempre teve uma relação complicada com as obras do autor H.P. Lovecraft (1890-1937) – leia-se, suas adaptações quase sempre falharam. Mas não é que este ano outro cineasta malucão, Richard Stanley, conseguiu fazer um bom filme adaptado de Lovecraft? Foi A Cor que Caiu do Espaço.

Nessa mistura de terror com ficção-científica com pitadas de viagem lisérgica, uma família passa a sofrer alterações físicas e mentais quando um meteorito cai no quintal de sua casa e uma misteriosa “cor” alienígena se mistura ao suprimento de água da fazenda. Um dos filmes mais curiosos e interessantes do ano, o longa traz um visual instigante e demonstra que até um autor meio “inadaptável” e sua modalidade de horror cósmico pode, sim, ser bem adaptada para o cinema, pelos artistas certos.

O que esperar para o resto de 2020 e o ano que vem?

Este ano a pandemia impediu os lançamentos de três sequências muito aguardadas pelos fãs do gênero: Um Lugar Silencioso: Parte 2, o terceiro capítulo da franquia Invocação do Mal, e Halloween Kills, a sequência do reboot da lendária franquia Halloween lançado em 2018. Todos foram empurrados para o ano que vem.

Halloween foi produzido pela… Você adivinhou, a Blumhouse. A produtora ainda tem pelo menos mais um grande lançamento previsto para este ano, Freaky, uma mistura de filme de troca de corpos estilo Sexta-Feira Muito Louca com slasher movie, do mesmo diretor do divertido A Morte Te Dá Parabéns (2017), Christopher B. Landon.

O remake do cult dos anos 1990 Candyman, produzido por Jordan Peele, também foi adiado para 2021, e no ano que vem também veremos o primeiro filme do gênero do diretor britânico Edgar Wright com Last Night in Soho – são dois projetos bastante aguardados. E a Netflix deverá lançar em 2021 Army of the Dead, novo filme do polêmico Zack Snyder que marca seu retorno ao subgênero dos zumbis que fez sua carreira despontar lá atrás com Madrugada dos Mortos (2004).

Para quem busca algo para assistir ainda este ano, algumas opções interessantes já disponíveis pela internet e plataformas são Amuleto da diretora Romola Garai, e Possessor, novo filme do cineasta Brandon Cronenberg, filho do mestre do horror físico David Cronenberg. Ainda não consegui conferí-los, mas vi algumas críticas positivas de ambos.

E é isso. Até agora tivemos filmes claustrofóbicos, tensos e paranoicos sobre temas bastante atuais. O horror no cinema em 2020 meio que empalideceu frente aos acontecimentos da vida real, mas isso não significa que os filmes do gênero não conseguiram comentar de forma interessante temas como relacionamentos abusivos, isolamento e loucura. Se 2020 foi o annus horriblis para o cinema mundial, ao menos os filmes de terror, sempre confiáveis e resistentes, representaram um curioso alento para produtores e espectadores.

E só a título de curiosidade: meu “filme” de terror favorito do ano, até agora, é o oitavo episódio de “A Maldição da Mansão Bly”. Sou das antigas, então se tem uma casa assustadora, fantasmas, sotaque britânico e fotografia em preto-e-branco, não resisto.

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