Caio Pimenta fala sobre um dos maiores e históricos problemas do cinema produzido no Amazonas: a descontinuidade.
‘A Tônica da Descontinuidade’. Este é o título do livro mais importante sobre o cinema do Amazonas. O autor é o saudoso professor da Universidade Federal, Narciso Lobo. A obra de 1994 mostra como o audiovisual produzido no Estado é marcado por períodos de intensa abundância e outros de extrema carência, longe de um fluxo contínuo.
Depois do primeiro ciclo com Silvino Santos nas décadas de 1910 a 1930 do século passado, o cinema amazonense passou por um hiato de quase 30 anos até ressurgir com o cineclubismo da geração dos anos 1960. E desta turma até o novo ciclo, a partir de 2001 com o surgimento da Amazonas Film Comission, passaram-se outros 30 anos.
Ainda assim, a descontinuidade dentro do terceiro ciclo se faz muito presente e segue sendo um desafio para os realizadores locais. Isso atravessa desde eventos a políticas de editais até o processo de formação.
FIM DO AMAZONAS FILM FESTIVAL AOS EDITAIS
No último vídeo, eu falei sobre eventos de cinema realizados aqui em Manaus de 2000 para cá. Daqueles todos, somente o Cine Bodó, Matapi, Olhar do Norte e Pirarucurta seguem em andamento.
O maior de todos, o Amazonas Film Festival, foi descontinuado após a edição de 2013 com os cortes ocorridos no setor cultural do governo do Estado e também as movimentações políticas da época. Já a Mostra do Cinema Amazonense durou três edições, todas realizadas pelo Fórum do Audiovisual, mas, sem nenhum tipo de investimento financeiro não teve como se sustentar por muito tempo.
A política de editais também vai aos trancos e barrancos. Com o fim do Amazonas Film Festival, o cinema local perdeu o edital Banco Daycoval de Roteiro que tirou do papel filmes como “Cachoeira” e “Strip Solidão”. O arranjo regional entre Ancine e Prefeitura de Manaus chegou a acontecer com o Prêmio Manaus de Audiovisual, de 2018, porém, no atual cenário, é improvável que isso se repita nos próximos anos. Já o arranjo Ancine e governo do Amazonas ficou apenas na promessa.
O Prodav para as TV Públicas, que permitiu 14 séries produzidas no Amazonas nos últimos anos, também não deve acontecer mais tão cedo. Os editais da Ancine seguem em banho-Maria sem uma data certa do surgimento de novas edições nem quando as verbas dos projetos aprovados serão liberadas. A lei Aldir Blanc acabou sendo o alívio temporário deste tenso momento para o audiovisual amazonense.
CURSO DE AUDIOVISUAL DA UEA PELO MEIO DO CAMINHO
O maior golpe, entretanto, da descontinuidade do cinema amazonense está no campo da formação. Anunciado como fruto do Amazonas Film Festival, o curso de audiovisual da Universidade do Estado do Amazonas surgiu como uma promessa de uma política pública séria voltada para o setor.
Investimentos para a compra de equipamentos de ponta foram feitos, parcerias com instituições nacionais formulados e até o Ruy Guerra veio a Manaus participar de um ciclo de oficinas. Entretanto, após apenas duas turmas formadas, a UEA nunca mais ofereceu o curso e a iniciativa tão fundamental morreu ali.
O tapa na cara de tamanha falta de visão veio quando dois egressos do curso, Bernardo Abinader e Valentina Ricardo, conquistaram um feito histórico para o cinema local: cinco Kikitos no Festival de Gramado 2020 com “O Barco e o Rio”.
Verdade seja dita: essa descontinuidade do cinema não é uma maldição do Amazonas; é uma triste marca do cinema brasileiro como um todo. Muito disso decorre da falta de visão política e da própria sociedade de olhar para o audiovisual como uma indústria produtiva geradora de receitas e empregos.
Olha-se sempre para o produto final como um entretenimento possível de ser cortado no final do dia ou na primeira crise que surgir. Isso se agrava ainda mais em épocas de crises políticas e econômicas, logo, os próximos anos para o cinema amazonense serão os mais difíceis das últimas décadas.
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Projeto contemplado no Prêmio Feliciano Lana, promovido pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa com recursos da Lei Aldir Blanc.