A figura do Homem-Morcego sempre me causou um certo fascínio desde criança, quando lia histórias em quadrinhos e assistia aos desenhos animados na televisão. Misterioso e reservado, o comportamento e a caracterização do Batman são bem diferentes comparados aos dos super-heróis “convencionais”.
Super-Homem, Mulher-Maravilha, Homem-Aranha e The Flash são bem mais desinibidos e chegam até ser mesmo exibicionistas. Fortes e poderosos, lutam contra o crime em qualquer hora do dia ou da noite, muitas vezes entre os gritos e aplausos de quem presencia tais eventos.
Já Batman trabalha sempre à noite e usa a escuridão como uma camuflagem para surpreender os malfeitores. É um personagem complexo e paradoxal: nele podemos encontrar o heroísmo e a bravura, mas também o medo e o conflito interno.
Além dessas características, Batman começou a ganhar um tom mais sombrio e mais realista no final do século 20, tanto nas HQs quanto no cinema. Escritores e produtores começaram a incluir camadas de motivação psicológica em suas histórias, mostrando um lado do Homem-Morcego que ainda não era conhecido. Christopher Nolan foi uma dessas pessoas que, brilhantemente, desconstruiu a imagem do super-herói para focar no homem por trás da máscara negra em Batman Begins (2005) – o primeiro filme da trilogia espetacular que dirigiu sobre o Cavaleiro das Trevas.
MEDO COMO ARMA E PODER
Batman é o mais humano dos super-heróis. Não possui super-poderes, é um homem de carne e osso como qualquer um de nós. E como a gente, passa por problemas emocionais, psicológicos e de relacionamentos. Para entender o Batman, precisamos entender seu criador e as razões que o levaram a construir esse novo “eu”.
O bilionário Bruce Wayne testemunhou o assassinato de seus pais quando criança, o que lhe causou um profundo trauma (ferida, em grego) psicológico. Isso gerou o transtorno de stress pós-traumático, onde Bruce teve sua qualidade de vida afetada por pesadelos, lembranças aflitivas, insônia e ansiedade.
Até a vida adulta Bruce teve medo, se sentiu culpado pela morte dos pais e não teve o controle de suas emoções. É através de uma emoção universal – o medo – que vamos começar a entender sua mente.
O medo é uma parte muito importante na psicologia infantil. Aprender a lidar com o fato de que sentimos medo desde criança é primordial para que possamos dominá-lo e enfrentá-lo. Todas as criaturas tem medo. Eventos traumáticos geralmente causam muitos danos emocionais nas vidas das pessoas que passam por eles, mas elas também têm o poder de transformá-los em uma força poderosa e positiva que leva ao amadurecimento.
‘COMPARTILHAREM O MEU MEDO’
O trauma da morte dos pais moldou a personalidade de Bruce e deu um propósito à sua vida: o combate ao crime. O processo de criação do Batman começa quando Bruce retorna de uma longa viagem depois de ter passado por um treinamento físico e mental rígidos, onde aprendeu a controlar suas emoções e a lidar com a culpa que sentia em relação aos pais. Em seu retorno à Mansão Wayne, Bruce vai à caverna onde havía caído quando criança e enfrenta seu maior medo: os morcegos. De pé, os deixa envolvê-lo por completo. Através de uma técnica de exposição (onde a pessoa é exposta ou apresentada a figuras ou situações que lhe causam medo), Bruce finalmente consegue controlar e icorporar seu medo à sua nova personalidade.
Assim surge “Batman, O Cavaleiro das Trevas”. Através desse alter-ego, Bruce encontrou uma forma de fazer justiça e não se vingar. O simbolismo e a escolha em torno da figura do morcego não só penetram nos traumas de sua infância, mas também no medo que a maioria das pessoas possuem das criaturas voadoras.
Na cultura popular, o morcego é uma ameaça. Ele é noturno, é algo que você não pode ver, mas que pode mordê-lo e sugar seu sangue. Então, o que Batman faz é usar uma iconografia do mal; uma figura que, em muitas culturas, representa o mal, o lado obscuro, a morte e tem até uma associação com demônios, por terem asas bastante semelhantes as dos morcegos.
Através dessa figura aterrorizante, causa medo e pavor nas suas vítimas. Em suas próprias palavras, “quero ser o meio para combater a injustiça e me tornar o medo contra aqueles que causam medo nas pessoas (…) chegou a hora dos meus inimigos compartilharem o meu medo” (Batman Begins, 2005).
SOCIÁVEL X SOMBRIO
Colaborador de Sigmund Freud, o psicanalista e psicoanalista Carl Jung (1875-1961) acreditava que dentro de todos nós há uma luta entre ser sociável e aceitável e um lado sombrio. Batman personifica o lado sombrio de Bruce Wayne. Ele parece com o mal que combate, parece um vilão. Age fora das normas da sociedade e, apesar disso, ainda consegue ser um homem virtuoso.
Batman é a perfeita união dos dois lados que todos temos – o bom e o mau que co-existem na vida humana. Bruce desenvolveu uma capacidade enorme de auto-controle para poder equilibrar esses dois opostos e o fez com uma habilidade incrível – quase um “super-poder”, se assim podemos dizer.
Como Batman, Bruce também desenvolve um certo tipo de neurose, que é uma compulsividade de ser um bem-feitor, de ajudar as pessoas e de combater o crime. Muitas vezes entra em conflito consigo mesmo por achar que não está fazendo o suficiente.
Batman tem uma obsessão em controlar e se certificar de que a lei está sendo cumprida e que os inocentes não estão sendo feridos, mas essa mesma obsessão o leva a cortar de sua vida qualquer coisa que não acrescente nada em sua missão como Batman. Em virtude disso, leva uma vida solitária e de aparências. A única pessoa com que se abre e que confia plenamente é Alfred.
O FIO DE ESPERANÇA NA JUSTIÇA
A vida dupla de Bruce inclui a escolha em negar a si mesmo um relacionamento amoroso duradouro. Tem a grande capacidade de se apaixonar, mas isso é um ponto fraco em sua personalidade. Pode ter a maior tecnologia do mundo, dinheiro, as armas mais eficazes mas seu coração não tem proteção; pode se partir.
A pessoa por quem poderia se apaixonar, teria o risco de se machucar; o perigo estaria próximo dela o tempo todo. Bruce não quer amar tão abertamente porque teme perder esse amor da mesma forma que perdeu seus pais…
Bruce Wayne é um homem que passou por um trauma profundo e que fez escolhas para superá-lo. Não matar e se sucumbir à vingança foram uma delas. Ele usou esse trauma para melhorar a si mesmo e o mundo. De fato, ele é um herói.
A melhor coisa sobre o Batman é o fato de ser um homem comum, humano, como nós. Ele nos mostra quão grande a humanidade pode ser, ele está do nosso lado. “Nós podemos fazer a diferença em um mundo de dificuldades. Podemos perseguir a justiça em um mundo injusto” (Batman Begins, 2005). Batman é um personagem que nos dá esperança… uma esperança que todos nós precisamos.