Primeiro trabalho na direção de curtas-metragens de Begê Muniz, conhecido por ser o protagonista de “A Floresta de Jonathas”, “Jamary” segue a trilha de obras infanto-juvenis do cinema amazonense como “Zana – O Filho da Mata”, de Augustto Gomes, e “Se Não”, de Moacyr Freitas. O trio adota um tom mais sóbrio do que a média vista em filmes do gênero explorando os mitos e lendas amazônicos aliado a uma mensagem ambiental de necessidade de preservação da natureza como pano de fundo. Se as qualidades técnicas são inegáveis, faltam roteiros mais estruturados para o formato de curtas para que atinjam seus potenciais. 

Selecionado para o Cinefantasy 2021 na mostra Fantasteen, “Jamary” acompanha a história de Ana (Júlia Cabral), uma garota com pouco mais de 10 anos moradora da zona rural de Manaus. Ao ser deixada pela mãe (Isabela Catão) na casa da avó (Rosa Malagueta) para passar o dia, a menina brinca com dois primos quando entra na mata e dá de cara com Anhangá (Elisa Telles), um espírito conhecido por proteger as florestas e rios. Em uma segunda incursão na mata, Ana descobre que há perigos maiores para todos. 

Não precisa ser crítico de cinema ou cinéfilo para captar rapidamente que “O Labirinto do Fauno” é a grande referência utilizada por Begê Muniz. A concepção de Anhangá através do figurino e direção de arte de Eliana Andrade quanto na maquiagem remetem ao protagonista do longa mexicano dirigido por Guillermo Del Toro em um jogo dúbio de perigo e acolhimento. Isso se alia a boa fotografia de Reginaldo Tyson, capaz de criar uma atmosfera mágica da floresta com os breves raios de sol cortando a densa floresta. Ainda que percorra caminhos já conhecidos e poucos inventivos, não dá para dizer que o clima proposto por Begê não funcione para prender o espectador naquele universo do ponto de vista visual. 

PELO MEIO DO CAMINHO 

Infelizmente, “Jamary” não encontra a mesma sustentação no roteiro. Escrita pelo próprio Begê, a história cai na armadilha clássica de pensar em uma estrutura de longa para dentro de um curta. Isso leva ao excesso de personagens sem muito o que dizer – as excelentes Isabela Catão e Rosa Malagueta são pouco aproveitadas -, ínfimo desenvolvimento da protagonista e resoluções apressadas para tudo o que é proposto. Moacyr Freitas, por exemplo, poderia ter rendido um ótimo vilão, mas, surge rapidamente e desaparece na mesma velocidade.  

Desta forma, a justa mensagem ecológica perde força pela falta de mínimo envolvimento do espectador com tudo o que ocorre em cena. Neste contexto, pelo menos, salva-se a coragem na decisão por uma abordagem longe da infantilização, respeitando a sensibilidade e a inteligência de seu público – o perigo real enfrentado por Júlia e seus primos atinge um ponto de equilíbrio preciso de levar a tensão exata sem provocar um choque muito pesado para os mais novos.  

Como já revelado pelo diretor/roteirista em entrevistas à imprensa local, a ideia é que “Jamary” se transforme em um longa-metragem no futuro, sendo o curta apenas um ponto de partida para esta proposta. Nisso, guarda semelhanças com o paraense “Raimundo Quintela – O Caçador Vira-Porcos”, vencedor de três categorias do último Olhar do Norte 2020, em que os problemas e qualidades são praticamente os mesmos. Com ajustes necessários, pode-se tornar um futuro grande filme. 

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