Uma aventura juvenil divertida e necessária contra o fundamentalismo religioso, “Mission Ulja Funk” é uma das surpresas da Berlinale deste ano. A co-produção Alemanha-Luxemburgo-Polônia, exibida na mostra Generation Kplus do evento cinematográfico, tem muito carisma e consegue a façanha de abordar assuntos profundos sob uma lente zombeteira.
Ulja Funk (Romy Lou Janinhoff) é uma menina de 12 anos que tenta levar uma vida normal em uma cidadezinha no interior da Alemanha. Funk é bem-comportada e arrasa na escola, mas sua paixão por ciência – e, em especial, seus estudos de astronomia – batem de frente com a comunidade religiosa da qual faz parte.
Quando ela descobre um asteroide que está para cair na Terra, ela entra em conflito pois sabe que sua família jamais a deixaria ir atrás de sua descoberta. Mas quando sua avó Olga (Hildegard Schroedter) se livra de todo o equipamento astronômico contra a sua vontade, a menina resolve escalar o solitário colega de classe Henk (Jonas Oeßel) para levá-la escondida até o asteroide. O que se segue é um jogo de gato e rato entre os devotos da igreja local e as duas crianças.
ENTRE WES ANDERSON E DIDI
A diretora alemã Barbara Kronenberg – que estreia aqui na direção de longa-metragens – constrói uma história em que elementos como a busca pelo conhecimento, a análise do modelo familiar e o disfarce religioso do mau-caratismo surgem naturalmente em um filme cheio de personagens peculiares. O roteiro, assinado pela cineasta, sugere um Wes Anderson influenciado pelas aventuras juvenis lançadas pelo Didi e pela Xuxa nos anos 1990.
Com a partida de Ulja e Henk em direção a Bielorússia – local onde a menina calcula que o asteroide cairá – e os adultos em seu encalço, ela cria um road movie inusitado e nonsense, com um senso de humor pastelão que deve agradar a criançada mais cheio de referências para os adultos.
O maior cuidado da trama é dar contornos elaborados para vários de seus coadjuvantes – muito além do esperado em um filme do gênero. Henk, que começa o filme com um moleque descerebrado que só topa a aventura para que Ulja concorde em fazer seu dever de casa por um tempo, tem sérios problemas familiares que o roteiro aborda direta e humoristicamente.
Melhor ainda é Olga, que ganha um arco narrativo que a impede de virar uma vilã unidimensional. Quem acaba com esse posto é o pastor charlatão interpretado por Luc Feit – mas a crítica que o personagem faz àqueles que usam do fervor religioso para seus próprios fins não perde nem um pouco da força.
Sem medo de ser bobo quando lhe convém, mas firmemente comprometido com uma mensagem forte e encorajadora, “Mission Ulja Funk” é uma diversão inteligente que instiga o pensamento curioso e determinado da infância. No final das contas, não é algo ruim para ser instigado, independentemente de idade.