Alternando entre devaneio e agonia, “Breve Miragem de Sol”, novo longa de Eryk Rocha, busca compor o retrato de um Rio de Janeiro em colapso através dos olhos de um taxista. A produção nacional, que está tendo sua estreia mundial no Festival de Londres deste ano, tem um ritmo lento que pode não agradar a todos, mas é obra essencial sobre a classe trabalhadora brasileira.
No centro dela, está Paulo (Fabrício Boliveira), homem recém-divorciado que começa a dirigir um táxi na noite carioca para se sustentar e pagar a pensão do filho, com quem sonha se reencontrar. No carro, ele está sujeito a tudo e vê em primeira mão a tragédia e a comédia que compõem o mosaico urbano.
Solidão onipresente
Informes noticiários e comentários de outros taxistas proveem um panorama do mundo interior para um homem que está fundamentalmente sozinho. A ex-mulher mal o responde e o espaço que o separa de seus passageiros vai além do físico: nas horas mortas, a solidão de Paulo é palpável.
Numa corrida comum, Paulo encontra a enfermeira Karina (Bárbara Colen), com quem inicia um relacionamento. Em outras mãos, essa história poderia ser a de um homem no fundo do poço que encontra forças diante de um novo amor – mas esse não é o filme fácil que Rocha quer fazer. Ao invés disso, as cenas do casal aparecem como um respiro – não uma salvação – do caos da vida de Paulo. Romance faz parte, o filme argumenta, mas não provém o sustento de ninguém.
O diretor usa seu background em documentários para compor uma estética que sufoca em seu realismo. Com a câmera dentro do carro, colada ao rosto do protagonista, o público se sente preso como ele. Certas cenas, como a reunião dos taxistas em um restaurante, acertam em cheio a coloquialidade da vida cotidiana.
Incisivo, urbano e caótico
Esse foco na classe trabalhadora brasileira conecta o longa a outro destaque do cinema nacional recente, “Arábia“. A abordagem aqui, no entanto, é outra: enquanto o filme de João Dumans e Affonso Uchoa buscava uma poética prosaica do trabalhador rural, o olhar de Rocha é mais incisivo e realista.
No centro desse realismo está o incrível trabalho de Boliveira, que leva a maior parte do filme sozinho em cenas sem diálogo. Nos seus olhos, é possível enxergar a pressão sob a qual está o homem comum, que tem prover seu sustento rodeado por caos e violências literais e simbólicas.
O filme poderia se beneficiar de mais agilidade, principalmente na meia-hora inicial, mas é compreensível que Rocha tenha escolhido que a vida de Paulo falasse por si só ao invés de recorrer a exposições. Por uma hora e meia, é possível acompanhar os medos e anseios de alguém que, apesar de fictício, é incrivelmente real. “Breve Miragem de Sol” pode ser uma história sobre dificuldades, mas é, acima de tudo, um conto de resistência.