Duas palavras poderiam resumir o que é ‘Era uma vez na América’: glorioso e sublime. A última obra-prima do cineasta italiano Sergio Leone, considerado um gênio da indústria cinematográfica, é grandiosa em sua narrativa construída através de excelentes atuações, trilha sonora inesquecível e cenas memoráveis.
O épico ganguerista do diretor, que levou mais de 12 anos para sua estreia, possui todos os artifícios fílmicos de um clássico que deve ser lembrado com o passar dos anos como um filme que marca na memória e no coração dos amantes da sétima arte, além de servir de inspiração para diversos filmes e séries do gênero.
Principal nome de um subgênero próprio, o ‘Spaghetti Western’, Sérgio Leone dirigiu obras clássicas como a ‘Trilogia dos Dólares’ – “Por um Punhado de Dólares”, “Três homens em Conflito” e “Era uma vez no Oeste” -, sempre marcados por sequências lentas que falam e arrebatam com imagens, assinatura fílmica do cineasta. Sua última obra, “Era uma vez na América” não é somente um filme sobre gangues: o roteiro usa o gênero como pano de fundo para uma obra que fala sobre amizade, lealdade, violência, traição e de como nossas escolhas tem resultados cruéis e reais.
Baseado no livro ‘The Hoods’, o filme conta a história de David ‘Noodles’ Aaronson (Robert De Niro). Iniciando desde a adolescência com seus quatro amigos cometendo pequenos delitos em um bairro pobre de Nova York, “Era uma Vez na América” retrata como a vida de Noodles muda quando conhece aquele que seria seu melhor amigo por mais de três décadas, Maximilian ‘Max’ Bercovicz (James Woods). Com o passar dos anos, acompanhamos os crimes cometidos pela gangue, o crescimento do grupo que se torna poderoso e rico, o amor entre o protagonista e Deborah (interpretada quando jovem por Jeniffer Conelly e vivida por Elizabeth McGovern na fase adulta), até sua vida adulta e o resultado das escolhas e ações do bando.
Nos primeiros 40 minutos de filme, Leone entrega três eventos grandiosos na vida de Noodles em diferentes fases, confundindo o espectador, mas prendendo a atenção e aguçando a curiosidade para o desenrolar dos acontecimentos. No início, a montagem com o uso de flashbacks não deixa muito claro como vamos acompanhar a história da gangue nova-iorquina, mas o diretor deixa claro que os resultados das ações de seu protagonista tiveram um fim trágico. A escolha dos personagens na adolescência é cirúrgica: a química entre Noodles e Max é palpável, reforçado com De Niro e Woods quando adultos, estabelecendo uma empatia automática com os rapazes inteligentes, que devem agir do lado de lá da lei durante toda a vida.
IMERSÃO ATRAVÉS DA VIOLÊNCIA
Tudo em “Era uma vez na América” é milimetricamente pensando e executado com maestria, desde a direção cuidadosa de Leone à montagem, direção de arte e fotografia, casando com a belíssima trilha sonora do mestre Ennio Morricone. Ouso dizer que certas cenas têm tanto impacto emocional graças as melodias pesadas e melancólicas do compositor, além da aula de mise-em-scene do cineasta.
Aqui, o roteiro não pinta seus protagonistas como anti-heróis, não há vestígios de vitimismo nos personagens; eles só agem de acordo com o que acreditam ser necessário a ser feito. Matam, roubam e estupram sem nunca se justificar. Cenas de nudez e violência são filmadas sem pudor e nunca são apelativas, existindo com o único objetivo de nos fazer imergir no mundo de Noodles e Max.
O romance de Noodles e Deborah desde a infância é o que fornece ao protagonista um lado mais humano e sentimental. A cena do jantar e sua frase icônica (“ninguém vai te amar do jeito que eu te amei”) toca o coração dos mais frios para o romance. Em momentos de pura genialidade, Leone brinca com nossos sentimentos ao usar uma cena tocante e emocional, antes de um acontecimento brutal, como o fatídico estupro ou mortes a acontecer.
“Era uma vez na América” tem uma estrutura narrativa complexa, aberta para múltiplas hipóteses e interpretações, principalmente o inesquecível ato final. Com quase quatro horas de filme, é preciso manter a atenção para os acontecimentos que vão fazer todo sentido em seu desfecho agridoce. Ao final, você entende os motivos do diretor ser considerado um gênio e percebe o quão sublime é sua última obra.
LEONE E MORRICONE NA SINFONIA HARMONIOSA, MIXAM ATORES ACIMA DE QUAISQUER SUSPEITAS..
Depois de Cinema Paradiso é o meu preferido !