É possível afirmar sem medo de errar que o Martin Scorsese é o maior diretor vivo do cinema norte-americano. Um gigante com mais de seis décadas de carreira e um punhado de clássicos. Isso se reflete no Oscar: ao todo, as produções dirigidas por ele foram indicadas 101 vezes com elas levando 20 prêmios.  

Há uma década, entretanto, Scorsese enfrenta um jejum completo de vitórias: apesar das 26 indicações somadas, “O Lobo de Wall Strett”, “Silêncio”, “O Irlandês” e, agora, “Assassinos da Lua das Flores” não venceram nenhuma estatueta. 

Neste post, Caio Pimenta analisa o histórico da relação entre Martin Scorsese e o Oscar, onde os filmes do cineasta perderam as últimas 26 disputas.

ANOS 1970

O Martin Scorsese surgiu para o mundo do cinema na fantástica geração da Nova Hollywood nos anos 1970 ao lado de Francis Ford Coppola, Michael Cimino, Terrence Malick, Steven Spielberg, George Lucas e tantos outros nomes grandiosos. A primeira aparição do novaiorquino no Oscar, aliás, aconteceu uma cerimônia que marcou um dos pontos altos deste movimento. 

Na cerimônia de 1975, tivemos a consagração do nome mais influente daquele período. Após perder Melhor Direção dois anos antes para o Bob Fosse, o Francis Ford Coppola levou a categoria assim como novamente Melhor Filme pelo segundo “O Poderoso Chefão”. Naquela temporada, o cineasta ainda concorria com o excelente “A Conversação” ao lado do Roman Polanski de “Chinatown” e do próprio Fosse com “Lenny”. 

Já Scorsese conseguiu três importantes indicações com “Alice Não Mora Mais Aqui”, drama nomeado para Roteiro Original, Atriz Coadjuvante e responsável por dar o único Oscar de Ellen Burstyn em Melhor Atriz. 

Dois anos depois, a sina de resultados contestáveis do diretor começa a aparecer: “Táxi Driver” até chegou entre os finalistas de Melhor Filme, mas, Scorsese foi esnobado em Direção e o Paul Schrader em Roteiro Original.

Se hoje o filme é um clássico indiscutível, naquela época, havia muita divisão sobre ele, especialmente, por conta da violência e do próprio tema incômodo dos efeitos da guerra no Vietnã.

A saída para a Academia foi escolher “Rocky – O Lutador”, uma obra com uma mensagem bem mais esperançosa e inspiradora. 

ANOS 1980

Esnobado por “New York, New York”, o Martin Scorsese subiu bons degraus na Academia com Touro Indomável. 

A cinebiografia do lutador Jake LaMotta chegou forte na temporada de 1981 ao concorrer em oito categorias. Foram duas vitórias importantes – Ator com Robert De Niro e Montagem -, mas, o sabor amargo foi inevitável, afinal, “Touro Indomável” perdeu para “Gente Como a Gente”, uma produção menos ambiciosa do Robert Redford e sem a contundência trazida pelo Scorsese. 

Se “O Rei da Comédia” foi de arrasta sem ganhar consideração, esperava-se melhores resultados de “Depois de Horas”, especialmente, pela vitória em Cannes de Melhor Direção. Novamente, entretanto, nada; nenhuma indicação. 

O Scorsese somente foi retornar ao Oscar em 1987 com “A Cor do Dinheiro”. Era uma produção com bons predicados para a Academia: trazia um astro consagrado ao lado de um galã em ascensão e um tema bem mais ameno do que os filmes anteriores dele. O tiro não deu muito certo e o longa conseguiu apenas quatro indicações, vencendo em Melhor Ator com Paul Newman, mas, esnobado em Filme e Direção. 

Veio, então, o caso mais curioso: “A Última Tentação de Cristo” foi uma das produções mais polêmicas dos anos 1980 a ponto de críticas oficiais da Igreja Católica e proibição em diversos países ao redor do planeta.

A Academia se saiu, então, com uma decisão esdrúxula: deixou o filme fora de todas as categorias exceto Melhor Direção. Bem a cara do Oscar 1989: uma temporada careta e conservadora vencida por “Rain Man”. 

ANOS 1990

Apontado como um dos grandes diretores daquela época, o Martin Scorsese chegou ao Oscar 1991 aclamado pela crítica por “Os Bons Companheiros”. O problema maior foi concorrer na mesma temporada de “O Poderoso Chefão 3”, obra com a temática da máfia também.

Desta maneira, abriu-se uma possibilidade para um terceiro candidato: “Dança com Lobos” e a redenção do homem branco no faroeste em relação aos povos originários. Novamente, Scorsese sucumbia diante de um galã se aventurando na direção. Apesar das seis indicações, o máximo que “Os Bons Companheiros” conseguiu foi Melhor Ator Coadjuvante com Joe Pesci.

Depois disso, o Scorsese voltou ao Oscar no ano seguinte com “Cabo de Medo” que até foi longe ao emplacar o Robert De Niro em Melhor Ator e a Juliette Lewis em Atriz Coadjuvante. Ambos, claro, sem vitória. 

Em 1994, o Scorsese fez o filme que levaria muitos diretores a saírem carregados de prêmio no Oscar. O belíssimo “A Época da Inocência” teve cinco indicações, mas, nas categorias principais, apareceu apenas em Roteiro Adaptado e Atriz Coadjuvante com Winona Ryder. Venceu apenas Figurino em uma temporada completamente dominada por “A Lista de Schindler”. Assim, a Academia reconhecia o Steven Spielberg bem antes dele. 

Scorsese, então, passou por uma fase bem magra no Oscar: “Cassino” obteve apenas uma indicação com a Sharon Stone em Melhor Atriz e já apontava um cansaço da Academia com os filmes de máfia. Já “Kundun” esteve em quatro categorias técnicas, perdeu todas elas e ficou por isso mesmo sem maior brilho. “Vivendo no Limite” sequer apareceu na festa. Quem imaginava que um novo século mudaria o cenário para o Scorsese, porém, se deparou com derrotas dolorosas. 

ANOS 2000

“Gangues de Nova York” tinha tudo para vencer o Oscar 2002, afinal, era um filme de Scorsese à cidade natal e que havia acabado de sofrer um terrível atentado. Apesar da temporada de premiações ter começado bem com vitória no Globo de Ouro de Melhor Direção, perdeu o rumo e no Oscar não venceu nenhuma das 10 categorias a que foi indicado. 

Depois deste tombo, “O Aviador” era o filme ideal para o mestre sair do jejum no Oscar. Contando a história da lenda Howard Hawks em uma produção exuberante, o Oscar 2005 era dele. Novamente, o destino não sorriu a Scorsese e ele viu Clint Eastwood com o pequeno e comovente “Menina de Ouro” roubar a cena e ser consagrado. 

Nesta época. Scorsese já tinha o status atual de um gigante do cinema americano. Logo, estas duas pancadas consecutivas ecoaram muito mal na indústria do cinema. Como nunca, a Academia sentiu uma forte pressão para premiá-lo de uma vez por todas. 

A resposta veio com “Os Infiltrados”: o remake do policial sul-coreano passa longe de ser um dos melhores filmes da carreira do diretor, mas, contou com a sorte de uma temporada nada animadora para vencer quatro das cinco estatuetas a que disputava, incluindo, finalmente, Melhor Filme e Direção. 

ANOS 2010 e 2020

Foi o suficiente para a Academia poder esnobar “Ilha do Medo” sem peso no coração. Já em 2012, a Academia quase sanou todas as dívidas com o Scorsese com uma segunda estatueta. 

Homenagem a George Mélies, A Invenção de Hugo Cabret” obteve 11 indicações, vencendo cinco categorias, todas técnicas – Fotografia, Efeitos Visuais, Direção de Arte, Edição e Mixagem de Som. Bateu de frente, entretanto, com “O Artista”, outro filme sobre os primórdios do cinema: a produção francesa levou Melhor Filme, Direção e Ator. 

Chegamos então ao contexto atual: “O Lobo de Wall Street” perdeu as cinco indicações em 2014, temporada dominada por “12 Anos de Escravidão” e Gravidade; “Silêncio” só não foi totalmente esquecido por ter aparecido em Direção de Fotografia no Oscar 2017. O Irlandês e “Assassinos da Lua das Flores” tiveram cada um 10 indicações, mas, enfrentaram os melhores vencedores recentes do prêmio, respectivamente, “Parasita” e “Oppenheimer”. 

RAZÃO 1: FALTA DE SORTE

Neste resumão, claro, que dá para atribuir na cota de falta de sorte certos resultados. 

“Os Bons Companheiros” cair em um ano que a maior saga de máfia dos cinemas chega ao fim atrapalhou demais o potencial do filme.

“Cabo do Medo”, o filme de terror do Scorsese, concorreu na mesma temporada em que a Academia abraçou o gênero com “O Silêncio dos Inocentes”. Situação semelhante com “Hugo Cabret” e “O Artista”. 

“A Época da Inocência” pode até entrar aqui, afinal, concorrer com “A Lista de Schindler” era algo impossível, porém, noto uma característica que, vez ou outra, atrapalhou Scorsese. 

RAZÃO 2: RECONHECIMENTO TARDIO

Muitos dos melhores filmes do novaiorquino alcançaram um reconhecimento tardio perante o público e crítica. “A Época da Inocência” certamente foi um deles igual “Taxi Driver”: se hoje, a vitória de “Rocky” é contestada por ter superado o clássico com o Robert De Niro, na época, o maior rival do Sylvester Stallone foi “Rede de Intrigas” e “Todos os Homens do Presidente”. 

Sob o olhar de hoje em dia, “Cassino” ter apenas uma indicação é quase um pecado, mas, no lançamento, questionava-se o excesso de violência e de filmes sobre máfia do Scorsese. Com a explosão do Quentin Tarantino com “Pulp Fiction”, a sensação era ainda maior, algo que o tempo teve a sabedoria de corrigir. 

RAZÃO 3: PERFIL DOS FILMES

Acima de tudo, porém, vejo a maior objeção da Academia no perfil do cinema feito pelo Scorsese. 

É indiscutível que a indústria reconhece a qualidade e a força do diretor – não à toa, ele já soma 10 indicações a Melhor Direção e teve tantos projetos em Melhor Filme. Por outro lado, há um olhar pessimista e bastante incisivo sobre mazelas duras dos EUA que Scorsese toca e não consegue obter o consenso. 

“Taxi Driver”, por exemplo, foi a primeira produção indicada a Melhor Filme a falar das consequências terríveis da Guerra do Vietnã naqueles que retornavam do conflito. Somente três anos depois que a Academia veio a premiar “O Franco-Atirador” e consagrar a dupla de “Amargo Regresso”, Jane Fonda e Jon Voight. “Touro Indomável” é uma cinebiografia trágica de uma lenda do boxe que levou a fúria dos ringues para a vida fora dela. 

Crítica: O Lobo de Wall Street

O crime como algo divertido e legal sem olhar moralizante está no centro de “Os Bons Companheiros” e “O Lobo de Wall Street”. “Gangues de Nova York” mostra o lado violento de como a maior cidade dos EUA foi erguida – não à toa, a Academia preferiu o divertido “Chicago” para se recuperar os baques dos atentados de 11 de setembro.  

Já em “O Irlandês” e “Assassinos da Lua das Flores”, Scorsese colocou como protagonistas figuras abjetas, responsáveis por atos de extrema crueldade a partir de mando seus de superiores. Isso sempre revelando faces norte-americanas ligadas a ganância e cobiça desmedidas. 

Scorsese coloca o público em uma situação de constante desconforto e o convida a um olhar para dentro de si ao trazer aquelas histórias que são formadoras de um país e sociedade. Este bem-vindo incômodo, entretanto, nem sempre agrada a todos, o que se amplifica em uma votação de sistema preferencial, onde buscam-se consensos. 

E a vitória de “Os Infiltrados” confirma a tese, afinal, dentro da carreira de Scorsese, seja justamente o menos provocador e o mais convencional filme dele.