Adaptar o mundo dos jogos para as telonas é quase uma receita fadada ao fracasso. Inúmeros são os exemplos: “Super Mario Bros”, “Street Fighter“, “Tomb Raider: A Origem” e até o mais recente “Mortal Kombat” não escapou de ser uma péssima adaptação.

Porém, quando a ambientação da realidade dos games surge apenas como plano de fundo para o desenvolvimento de uma narrativa, o conjunto de toda a obra aparenta ter mais chances de dar certo. Foi o que vimos em “Jumanji – Bem Vindo à Selva“, “Detona Ralph“, “Jogador Nº 1” e a mais nova produção da Disney, “Free Guy – Assumindo o Controle”.

Aqui, acompanhamos Guy (Ryan Reynolds), um típico agente bancário, com uma rotina monótona resumida ao trabalho e morador de uma cidade bastante violenta. Tudo muda quando o protagonista percebe que, na verdade, é um personagem não-jogável (NPC) de um game de ação bastante famoso chamado Free City. E, após conhecer a jogadora Molotov Girl (Jodie Comer), os dois embarcam em uma aventura para tentar salvar o mundo virtual de Free City.

DUPLA LEVY E PENN BEM ENTROSADA

O diretor Shawn Levy dosa com equilíbrio a comédia, aventura e ficção científica. Êxito semelhante ao que fez na trilogia “Uma Noite no Museu” e na aclamada série “Stranger Things“. Outro elemento muito importante para a construção do longa foi a adição de Zak Penn no roteiro. Conhecido por trabalhar em diversos filmes de HQs – o primeiro “Os Vingadores”, “X-Men 2” e “X-Men: O Confronto Final”, Penn demonstrou ser um profundo conhecedor de adaptações de quadrinhos e games, pois em “Free Guy” vemos bastante referências ao “universo geek” em vários momentos do filme.

Vale ressaltar que Penn também fez algo parecido quando trabalhou no roteiro do ótimo “Jogador Nº 1”, quando referenciou não apenas jogos, mas também diversas obras do cinema, o que apenas enriqueceu a experiência do filme.

Tanto no longa de Steven Spielberg quanto em “Free Guy”, a adição destes elementos que, por ora, podem ser interpretados apenas como fanservice, não atrapalham em nenhum momento o decorrer da aventura – em certo ponto, até ajudam a manter o ritmo da narrativa.

É impossível não destacar também a ótima ambientação visual produzida pelos efeitos especiais de “Free Guy”. Todos os elementos presentes na cidade fictícia remetem diretamente ao cenário de um jogo virtual, sem aquela poluição visual capaz de agredir o espectador, como vemos em muitos games da atualidade.

REYNOLDS NOVAMENTE ÓTIMO NA COMÉDIA

A escolha de Ryan Reynolds para viver o papel de Guy também não podia ser mais certeira. É possível até estabelecer um paralelo com sua atuação nos dois filmes de “Deadpool”. Em ambas, o astro carrega os filmes nas costas.

Ainda que haja a diferença no teor das piadas (em “Deadpool” a classificação indicativa é para maiores de 18 anos), ambos os personagens conseguem “quebrar a quarta parede” e interagir com o espectador. Mesmo que em “Free City” esta quebra seja um pouco mais indireta, tendo em vista a noção de realidade virtual que Guy adquire com a descoberta do jogo.

Entretanto, o mesmo não podemos dizer de Taika Waititi como o empresário magnata, Antoine, responsável por criar o jogo. O tratamento feito na construção de Waititi abraça o caricato e artificial.

Ainda que o filme trabalhe com a ideia de explorar a distinção do real ou artificial, o personagem do diretor e roteirista de “Jojo Rabbit” acaba ficando no meio destas duas esferas, o que o torna um antagonista sem peso e com motivações fracas.

Noções de realidade esquecidas

Outro ponto que deixa a desejar é como as inquietações sobre o virtual ser ou não “algo real” são deixadas de lado para dar espaço a uma “forçada” jornada de herói genérica. Talvez se a questão da realidade virtual não tivesse sido esquecida, o desfecho de “Free Guy” poderia ter sido melhor finalizado.  Os minutos finais complicam ainda mais a experiência por ir contra a proposta inicial. A interatividade entre os usuários e os personagens do jogo deixa de ser essencial para a resolução da trama.

Apesar dos pontos negativos, “Free Guy – Assumindo o Controle” é um longa que cumpre com o propósito de ser leve e divertido. Ryan Reynolds não surpreende, mas entrega uma boa atuação sem precisar de tanto esforço.

A produção não é revolucionária, mas, quem sabe, pode servir de pontapé para mudar o rumo das futuras adaptações de games.

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...

‘Origin’: narrativa forte em contraste com conceitos acadêmicos

“Origin” toca em dois pontos que me tangenciam: pesquisa acadêmica e a questão de raça. Ava Duvernay, que assina direção e o roteiro, é uma cineasta ambiciosa, rigorosa e que não deixa de ser didática em seus projetos. Entendo que ela toma esse caminho porque discutir...