As pessoas a bordo do Snowpiercer acreditam no mito de um salvador: o homem que criou o trem, Wilford, e salvou uma parte da raça humana quando o congelamento do planeta se tornou realidade. Isso é algo muito poderoso. A humanidade tem, sim, uma necessidade por mitos, heróis, pela figura do “salvador da pátria”. Na versão cinematográfica de Expresso do Amanhã, lançada em 2013 e dirigida por Bong Joon-Ho, existia um Wilford. Ele aparecia no fim da jornada dos heróis da história, era vivido por Ed Harris e era um sacana. E naquele contexto do filme, ele era uma figura absolutamente necessária para o desenvolvimento da história e para que o filme completasse a sua função alegórica. Expresso do Amanhã era uma ficção-científica maluca que, na verdade, falava sobre o nosso presente, e a presença de Wilford ao final arredondava isso. Ele simbolizava o sistema, os homens que o controlam, e todo o jogo de cartas marcadas que presenciamos no nosso mundo, transplantado para um contexto fantasioso.
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Já a série Expresso do Amanhã resolveu trilhar – com o perdão do trocadilho – um caminho diferente. Desde cedo na temporada, os roteiristas revelaram a nós, espectadores, que não existia Wilford nenhum comandando o trem. Quem mandava no Snowpiercer era mesmo a Melanie, com a ajuda dos seus dois maquinistas – um deles amante dela. Na série, Wilford é ainda mais um mito do que era no filme. E agora, no oitavo episódio da temporada, apropriadamente intitulado “Revoluções”, esse segredo foi jogado no ventilador, como se diz. E quando as pessoas perdem o reconfortante mito, descobrem que ele não passava de uma ilusão… bem, é seguro dizer que muitas não reagem bem.
Os roteiristas jogaram limpo ao longo da temporada, plantaram as sementes de uma revolução caótica e, agora, é hora de colher. “Revoluções” é o episódio mais eletrizante da temporada, no qual vários conflitos e elementos de episódios anteriores recebem seus payoffs. Melanie é presa e, ao menos temporariamente, se dá mal. Layton consegue reunir o Fundo e a Terceira Classe numa investida rumo à locomotiva. Os Folger e o comandante Grey assumem o controle da força policial para reprimir a revolta. Ruth se desilude com Melanie. E a violência começa. Tudo que vimos até agora conduziu a isto.
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É um episódio cheio de ação e violência – há membros cortados, facadas e soldados empalados por lanças, como toda boa revolução exige. O diretor Everardo Gout filma essa ação com planos próximos, que nos colocam perto das batalhas. Mas o melhor lance de direção do episódio ocorre quando Melanie percebe que sua casa caiu: closes trêmulos nos olhos de Jennifer Connelly amplificam a irrealidade do momento e a tensão da personagem. Não é a ideia mais original, mas funciona muito bem.
ADEUS À SOMBRA DO FILME
Aliás, apesar das cenas de ação e suspense, o momento mais tenso do episódio é a conversa entre Ruth e a Melanie, já prisioneira – e condenada à morte, de maneira eficiente. Melanie revela informações que imediatamente despertam a curiosidade do espectador: Que foi ela quem projetou o trem, que Wilford era uma fraude desde o começo e só se preocupava em viver no luxo enquanto pudesse. Podemos acreditar nela? Ou são palavras de alguém desesperado? O tempo dirá – não descarto termos um episódio em flashback para nos mostrar tudo o que aconteceu entre Melanie e Wilford nos primeiros dias da viagem do Snowpiercer.
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Os roteiristas também são inteligentes o bastante para nos deixar imaginando sobre a jogada de Layton: Contar o segredo para a desequilibrada LJ foi a maneira certa de deixar a Primeira Classe em conflito. Mas será que eles vão se autodestruir? Será que é possível mesmo uma revolução dentro do trem? E qual será o destino de Melanie, que se revelou a personagem mais complexa e interessante do seriado? Ela foi uma salvadora ou ajudou a perpetuar um sistema nefasto que beneficiou apenas alguns poucos no trem? Essas perguntas ficam para os próximos dois episódios, que fecharão a temporada. E além delas, a reviravolta no final amplia ainda mais o clima de tensão.
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Será que a série conseguirá manter esse ritmo intenso até o final? Difícil ter certeza, mas é válido dizer que Expresso do Amanhã, depois de um início incerto, se tornou uma grata surpresa. Este é o episódio no qual a série definitivamente sai da sombra da sua contraparte cinematográfica, e ao seu modo, revelou que estava contando uma história diferente, mas tão interessante quanto a do filme. O filme terminava com os heróis encontrando um vilão, o que funcionava, dentro daquele contexto. A série se aproveitou do formato de história mais longa para nos propor uma questão mais complexa.
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A partir de agora, é até possível não gostar da série Expresso do Amanhã, mas é praticamente impossível não respeitá-la. De minha parte, estou ansioso para ver o que está vindo por aí.