Depois de todos os atrasos possíveis na TV Ufam, “Boto” chegou ao fim. Apesar de deixar claro que não havia tanta trama para a quantidade total de capítulos, a série da Artrupe Produções encerra bem os principais núcleos da história nos dois últimos episódios e volta a jogar todos os holofotes na sua principal protagonista: a cidade de Manaus.
Com poucos diálogos, “Gota d´água”, o décimo-segundo capítulo de “Boto”, é, de longe, o mais sofrido dos episódios. Alex já dá a deixa do tom com um poema sobre angústias cada vez mais insustentáveis e perturbadoras. Os segredos da caixa dele vêm à tona e o que já se desenhara sobre o verdadeiro trauma da infância apenas se confirma, deixando implícito o subtexto sobre a lenda do boto acabar por esconder abusos sexuais cometidos Amazônia adentro.
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Aqui, cabe ressaltar o desempenho absurdo de Renan Tenca que, mesmo sem precisa falar nada, externa todo desespero e a necessidade de libertação de Alex, como apresentado na bela abertura repleta de simbolismos do último episódio, “Oroboto”. Chega a ser interessante até como ele acaba por puxar os apagados personagens de Daniela Blois e Ítalo Almeida que, finalmente, ganham um pouquinho de relevância nos rumos da trama e ainda rendem um clipe para ‘Bebé’, música para lá de conhecida do repertório da Alaídenegão.
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Por outro lado, Valdomiro (Lucas Wickhaus), responsável por carregar o interesse na trama de “Boto” durante boa parte da série, acaba por perder espaço. Apesar de ser sempre bom vê-lo nos shows como Val dos Prazeres acompanhado pelas dancinhas de Jonas (Eric Lima) e do embromation de Antônia (Thaís Vasconcelos, daria para fazer uma série só dela), o personagem fica em segundo plano, como se já tivesse atingido o auge de sua jornada nos capítulos anteriores, principalmente, se compararmos com Alex. O desfecho da história dele com Betina (Dinne Queiroz) segue uma linha previsível, deixando a sensação de que ela sai de cena com o potencial de que poderia ter sido maior.
MANAUS enigmática, imprevisível e incerta
Como dissera na crítica dos três primeiros episódios, a real protagonista de “Boto” é Manaus. Se esteve em segundo plano durante a reta final da temporada, os dois capítulos finais devolvem à capital amazonense seu espaço. Em “Gota d´água”, somos brindados com um delicado passeio entre a cidade que pulsa com velocidade, ao mesmo tempo, que divide lugar com uma singeleza das pessoas humildes sentadas em uma praça ou vendendo mungunzá em sua bicicleta.
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O auge deste olhar sobre Manaus aparece em “Oroboto” com o poema declamado por Zemaria Pinto. Diferente do caminho mais fácil de exaltação do olhar turístico e propagandista, o trecho, deliciosamente repleto de ironia, analisa o contraste de uma cidade viva, colorida, intensa com todas as suas contradições, autoritarismos escondidos e, como diz o poeta, ‘mediocridades diárias’.
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Este olhar não complacente em que, ao mesmo tempo, analisa, disseca e se insere, é que faz de “Boto” fascinante nesta construção identitária audiovisual de Manaus, algo longe de um ponto final e que somente uma política de regionalização forte permite elaborar, ao dar autonomia aos artistas locais em contar histórias ficcionais e documentais de suas regiões com seus pontos de vistas, longe de exotismos e idealizações pré-concebidas.
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No término dos 13 episódios, temos uma série de altos e baixos, com momentos inspirados e outros de profundo tédio, reflexo, talvez, desta Manaus ainda tão enigmática, imprevisível e incerta. “Boto”, entretanto, igual a cidade, possui um charme inebriante.