Faço duas perguntas para você, caro leitor:

  • Você já terminou um filme, no cinema ou na sua casa, se virou para a pessoa ao seu lado e disse: “Poxa, foi bom, mas muito longo”?
  • Você tem feito esse questionamento com maior frequência nos últimos anos?

Se você respondeu sim a essas perguntas, saiba que não está sozinho: há uma percepção geral de que, ultimamente, os filmes têm ficado mais longos.

Quando pegamos os 10 filmes de maior bilheteria de 2021 nos Estados Unidos, só três deles têm uma duração abaixo das duas horas:

  1. Homem-Aranha: Sem Volta para Casa: 2h28
  2. Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis: 2h12
  3. Venom: Tempo da Carnificina: 1h37
  4. Viúva Negra: 2h14
  5. Velozes e Furiosos 9: 2h23
  6. Eternos: 2h36
  7. 007: Sem Tempo para Morrer: 2h43 (o mais longo da história da franquia sexagenária).
  8. Um Lugar Silencioso: Parte II1h37
  9. Ghostbusters: Mais Além: 2h04
  10. Free Guy: Assumindo o Controle: 1h55

Dentre os blockbusters deste ano, tivemos Batman (2h56), Top Gun: Maverick (2h10) e Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (2h41). O filme de maior bilheteria dos últimos anos, Vingadores: Ultimato (2019), ficou com 3h02 de duração.

E claro, quem se esquece de polêmicas em tempos recentes com as 3h29 de O Irlandês (2019) de Martin Scorsese, e as 4h02 de Liga da Justiça de Zack Snyder (2021)? Mas esses três são casos à parte, voltaremos a eles na Parte 2 deste artigo – sim, porque a exemplo de vários filmes, esse aqui ficou longo demais e precisamos separá-lo em duas partes.

O fato é que, mesmo para o espectador que acompanha cinema regularmente, os filmes parecem estar mais longos. Mas será que estão mesmo?

Uma breve história da duração dos filmes

Para compreender onde estamos, nada melhor do que olhar de onde viemos, certo? Bem, caro leitor, o cinema é a mais tecnológica das artes e, como tal, dependeu do desenvolvimento tecnológico. Os primeiros filmes, no cinema mudo, eram curtos, porque o rolo de película cinematográfica só comportava poucos minutos de gravação. Porém, quando as câmeras e suas capacidades de armazenamento foram se desenvolvendo, houve a possibilidade de cineastas experimentarem com filmes mais longos.

Então, conforme o cinema foi se desenvolvendo como linguagem, o público se acostumou com filmes longos. Já na época do cinema mudo, houve casos de épicos como o norte-americano Intolerância (1916) – 3h17 – ou o francês Napoleão (1927) – 5h30!

Então veio o cinema falado, o Technicolor e novos formatos de tela, maiores. Espetáculos como os vencedores do Oscar de Melhor Filme E o Vento Levou (1939) – 3h58 – Ben-Hur (1959) – 3h32 – ou Lawrence da Arábia (1962) – 3h42 – deixaram imagens para sempre impressas no imaginário popular e nas mentes de cinéfilos em todo o mundo.

Os Oito Odiados: ecos de Django, Kill Bill e Cães de Aluguel no faroeste de Tarantino

Esses filmes, e alguns outros como ele, tinham overtures (aberturas) e intermissions (intervalos) para possibilitar as plateias aliviarem suas bexigas e até conversarem um pouco sobre o que estavam vendo. As overtures e intermissions chegaram a ser prática relativamente comum: mesmo um filme não tão longo, em comparação, como 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) – 2h48 – as teve. Um dos últimos grandes lançamentos hollywoodianos a ter abertura e intervalo foi Jornada nas Estrelas: O Filme (1979), que tinha só 2h12! Talvez os estúdios pensassem que ficção-científica “cabeça” precisava dar uma respirada para os espectadores nos velhos tempos…

Enfim, Quentin Tarantino ressuscitou a prática no lançamento de Os Oito Odiados (2015) nos Estados Unidos. O filme, com a overture e a intermission, ficou com 3h07.

Voltando… Temos que lembrar como era o cinema naquela época: as salas eram de rua. A sabedoria popular era que filmes muito longos diminuíam o número de sessões diárias, portanto estúdios – que raramente permitiam aos cineastas o famoso “corte final”, exceto para uns poucos privilegiados – pressionavam cineastas a deixar seus filmes por volta das boas e velhas duas horas. Mesmo assim, como se percebe pelos títulos citados aqui, vários filmes bem compridos conseguiam fazer sucesso.

OS BLOCKBUSTERS E UMA NOVA ERA

Nos anos 1970, a era dos blockbusters se iniciou com Tubarão (1975) e Star Wars (1977): ambos contaram muito bem suas histórias em 2h04. O sucesso deles também ajudou a ditar o padrão para a indústria.

A situação começa a mudar um pouco com o advento do home video, e também dos multiplexes, nos anos 1980 e 1990. Por um tempo, os grandes épicos saíram de cena, e o público passou a poder ver seus filmes queridos em casa, numa única fita VHS – a sensação era até de estranhamento quando se alugava na locadora um filme com duas fitas. Nesses casos, ali se sabia que iríamos ver um épico. O poder de pausar um filme e poder retomá-lo depois de um lanche ou de uma aliviante ida ao banheiro era algo inédito, e isso liberou de novo cineastas a experimentarem com filmes mais longos.

Titanic James Cameron Jack Rose

E os multiplexes, com suas múltiplas sessões de diferentes títulos, também abriram a porta para obras mais longas. Filmes agora não passavam mais em poucas salas, para depois viajar aos poucos por várias cidades. Eles agora estreavam em milhares de salas ao mesmo tempo, potencializando os lucros. Se você não conseguisse pegar uma sessão, tinha outra opção atrativa no cinema ao lado. Isso também abriu os horizontes.

Em 1990, Dança com Lobos – 3h – venceu o Oscar de Melhor Filme e foi um grande sucesso. O público não se importou com a duração, nem de revê-lo mais tarde em VHS, que previsivelmente vinha em duas fitas. Alguns anos depois, Titanic (1997) – 3h14 – se tornou o maior sucesso de bilheteria até então. Quem esquece das filas nos multiplexes para ver a história de amor de Jack e Rose? Pouco depois, a trilogia O Senhor dos Anéis – 3h cada filme, em suas versões de cinema – se consolidou como o exemplo de épico para uma nova geração de cinéfilos. 

E o cinema “de arte”?

Até agora, quase todos os exemplos apontados são do cinemão comercial. Mas e no cinema com propostas mais, digamos, experimentais e artísticas?

Bem, uma longa duração e um ritmo mais lento sempre foram elementos cinematográficos com os quais cineastas brincaram durante as décadas. Existe a vertente do slow cinema, ou cinema lento, cujas características são obras com ritmo mais contemplativo, planos longos e ausência total ou parcial de elementos narrativos mais convencionais.

Podemos destacar cineastas como Robert Bresson, Andrei Tarkovsky, Ingmar Bergman e Chantal Akerman como alguns dos que inspiraram a vertente do slow cinema. O filme mais conhecido de Akerman é o clássico Jeanne Dillman (1975) – 3h21. Tarkovsky fez Andrei Rublev (1966) – 3h.

E apesar da maioria dos filmes de Bergman ter durações curtas, ele fez as versões para TV, expandidas e magníficas, de Cenas de um Casamento (1974) – 4h42 – e Fanny e Alexander (1982) – 5h12.

 
Claro que não se pode falar de filmes longos sem mencionar o cineasta francês Jacques Rivette, cujo trabalho mais famoso é a obra-prima A Bela Intrigante (1991) – 4h – além de outras obras bem compridas; e o diretor húngaro Béla Tarr, autor de Sátántangó (1994) – 7h30!

Hoje em dia, podemos destacar nomes como a norte-americana Kelly Reichardt, o tailandês Apichatpong Weerasethakul e o turco Nuri Bilge Ceylan como representantes do slow cinema.

Então chegamos ao momento atual. Mas os filmes realmente estão mais longos? Na Parte 2 deste artigo, vamos invocar a boa e velha ciência para tentar responder a essa questão. Porque aqui no Cine Set valorizamos a ciência e quando queremos explicar algum fenômeno, ela ainda é a melhor opção.

Até lá…