Grande vencedor do Globo de Ouro e do Critics Choice, líder de indicações ao SAG junto com “Barbie”, Christopher Nolan com tudo para ganhar Direção e boas chances de vitória em Ator, Ator Coadjuvante e Roteiro Adaptado, maior número de conquistas nos prêmios da crítica ao redor do planeta…  

“Oppenheimer” está em uma posição confortável para ganhar o Oscar 2024.

Logo, surgem duas perguntas inevitáveis: o que leva a tamanho favoritismo? E quem pode ameaçar a superprodução do Christopher Nolan? 

AS RAZÕES PARA O FAVORITISMO

Ganhar o Oscar vai muito além da questão de se ter um grande filme em mãos. Na hora da escolha, fatores dos mais diversos pesam no voto de quem será o vencedor da estatueta dourada. Alguns dos motivos são dos mais fúteis, como bem exemplificam a clássica série de reportagens do The Hollywood Reporter em que os membros da Academia falam um monte de barbaridade, mas, há também contextos muito importantes que são levados em consideração. 

Para a atual temporada, “Oppenheimer” conta com alguns trunfos para além da qualidade do filme. O primeiro deles está naquilo que o drama político do Christopher Nolan representa para a indústria. 

Após anos de domínio dos filmes baseados em histórias em quadrinhos e das sequências, parecia não ter mais espaço para uma obra original e muito menos um drama focado em diálogos sobre qualquer assunto mais sério. “Oppenheimer” inverteu a lógica mesmo com as três horas de duração a ponto de superar as bilheterias de “A Pequena Sereia”, “Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania”, “John Wick 4”, “Indiana Jones”, “Missão Impossível” e muitos outros. 

Este tipo de notícia para a classe artística é um alívio. Afinal, mostra não apenas que há um mercado interessado em consumir obras originais para além do blockbuster padrão, como também valoriza a originalidade em uma época de grande preocupação com o avanço da inteligência artificial e toda a padronização do setor. Justamente um dos alvos da recente greve dos atores e roteiristas dos EUA.  

Os produtores também têm motivos de sobra para apoiar “Oppenheimer”. Christopher Nolan, um dos poucos diretores com ampla liberdade criativa dentro dos maiores estúdios de Hollywood e dos raros capazes de conseguir grande investimento para obras originais, bancou a ousadia de bater de frente nos cinemas mundiais com “Barbie”, o candidato a hit do ano. Tinha tudo para dar errado, mas, ocorreu justamente o oposto com o surgimento do fenômeno “Barbieheimer” e a criação de um marketing que levou o público a querer assistir aos dois filmes, lotando os cinemas.  

Justamente por conta disso, vejo “Oppenheimer” com uma possibilidade enorme de ser o grande vencedor do PGA, o prêmio do Sindicato dos Produtores. Vale lembrar que o evento é um dos maiores precursores do Oscar: exceção a “1917”, nos últimos seis anos, os vencedores dos dois eventos foram os mesmos. 

Indo agora mais para o filme, “Oppenheimer” é visto, acima de tudo, como uma obra orquestrada pelo Christopher Nolan, cada dia mais próximo de conquistar Melhor Direção. Ele é o maestro de uma equipe técnica que alcança excelência em quase todos os setores, tanto que o longa é o favorito, pelo menos, em Trilha Sonora, Som, Montagem e Direção de Fotografia, sendo estas duas categorias chaves rumo a Melhor Filme.  

A produção ainda reúne um elenco estelar como há muito não se via nesta dimensão em Hollywood – só para ter uma ideia, Casey Affleck e Kenneth Branagh, dois ganhadores do Oscar recentes, fazem pontas no filme. Três deles estarão nomeados com possibilidades altas de vitória com o Cillian Murphy e o Robert Downey Jr: ambos saíram na frente com conquistas no Globo de Ouro e terão como principais rivais, respectivamente, o Paul Giamatti e o Ryan Gosling. 

O roteiro complexo que alterna três linhas narrativas em períodos diferentes da vida de Oppenheimer, a partir do best-seller escrito por Kai Bird e Martin Jay Sherwin, também se apresenta com grandes possibilidades de vitória em Roteiro Adaptado.  

Nem mesmo a merecida crítica de que falta um posicionamento político mais contundente ao filme pode atrapalhar; pelo contrário, aliás, pois, o delicado momento do planeta com duas guerras e o tensionamento provocado pelas eleições nos EUA pode ajudar a Universal Pictures a trabalhar a ideia de que o foco não é exaltar nem condenar o físico, mas, sim fazer um alerta sobre o perigo da bomba atômica. 

TEMPORADAS PARECIDAS?

Claro que o bom senso aponta que cravar a vitória de “Oppenheimer” neste momento é arriscado e na memória de muitos de vocês dois casos servem para manter a esperança de uma possível reviravolta. 

La La Land era o amplo favorito no Oscar 2017 com vitórias robustas no Globo de Ouro, Critics Choice, PGA e DGA. O tombo veio com “Moonlight” que surpreendeu e levou Melhor Filme. Três anos depois, foi a vez de “1917” liderar a temporada por muito tempo, mas, perder força com o crescimento de Parasita na reta final. 

Os contextos para “Oppenheimer”, entretanto, são mais favoráveis. “La La Land”, por exemplo, é um musical, gênero amado e odiado por muitos na mesma proporção, o que contribuía para uma forte divisão dentro da Academia. O cenário se complicou totalmente por conta das justas críticas levantadas pelo #OscarSoWhite, movimento que cobrava maior presença de artistas negros entre os indicados. Logo, premiar “Moonlight” acabou sendo uma resposta a isso. 

Já “1917”, de fato, traz maiores semelhanças pela temática e pela inegável excelência técnica. Por outro lado, a Academia encontrava-se em um processo de internacionalização com a chegada de inúmeros novos membros de vários cantos do planeta. O intuito era oxigenar e modernizar a premiação. “Parasita” calhou de ser o aceno mais do que definitivo a este momento. 

OS RIVAIS

Para “Oppenheimer” perder, alguém precisa ganhar. A pergunta é quem poderia ser este rival? Considero que, neste momento, cinco produções buscam virar o jogo. 

“Os Rejeitados” é um deles: o drama do Alexander Payne seguiria a linha da Academia dos dois últimos anos de produções com elencos fortes e relativamente confortáveis com capacidade de agradar os mais diversos públicos – ainda que aqui haja uma forte melancolia. O grande ativo da produção pode ser a série de conquistas importantes possíveis no Oscar 2024: chega com pinta de favorito a Melhor Roteiro Original e Atriz Coadjuvante, enquanto o Paul Giamatti também apresenta ótimas chances de vitória em Melhor Ator.  

Seriam resultados que colocariam a dramédia em grande evidência mesmo que o Alexander Payne não venha a ser indicado a Direção – vale lembrar que a Sian Heder, de “Coda”, também não foi, mas, isso não impediu a vitória em Melhor Filme. 

Pesa, entretanto, a baixa bilheteria de “Os Rejeitados” inferior a US$ 20 milhões nos EUA. Faria a Academia, mais uma vez, ser apontada como elitista e distante do gosto do público. Isso em um período que o Oscar busca voltar à casa dos 20 milhões de espectadores. Um fato que, sem dúvida, prejudica demais as pretensões do longa. 

Se o problema do Oscar é aproximação com o público, “Barbie” seria a resposta perfeita. Maior bilheteria e dono do fenômeno cinematográfico de 2023, o filme ainda seria um grande aceno às pautas feministas e o protagonismo das mulheres na indústria graças à dupla Greta Gerwig e Margot Robbie.  

A oposição à superprodução da Warner, entretanto, será pesada. Alas conservadoras da Academia serão resistentes à “Barbie” assim como artistas mais polêmicos e menos afeitos às ondas do mercado – vide o Ruben Ostlund.  

Fora que há sempre aqueles que, entre os dramas e as comédias, não pensam duas vezes em ficar com as obras dramáticas, encaradas como “filmes mais sérios”. Vejo “Barbie” repetindo o que ocorreu no Globo de Ouro: muitas indicações, mas, levando apenas aquelas categorias já esperadas como Canção Original, Direção de Arte e, talvez, Figurino. Nas disputas principais, a esperança maior é o Ryan Gosling em coadjuvante, o que seria muito pouco para um candidato a Melhor Filme. 

“Anatomia de uma Queda” chega correndo por fora, mas, mostrou estar prestigiado após vencer dois prêmios no Globo de Ouro, inclusive, a inesperada categoria de Roteiro. O drama francês traz a marca da Palma de Ouro e tem chances de vitória no Oscar em Roteiro Original, fora que deve emplacar indicações em Direção e Atriz. 

Mesmo sendo um drama de tribunal, subgênero adorado mundo afora, sinceramente, não acho que a Academia repetirá tão cedo mais uma produção de língua não-inglesa vencendo Melhor Filme. Poderia passar uma mensagem ao público de incompetência ou fraqueza do cinema norte-americano, incapaz de vencer um prêmio no próprio país – uma conclusão absurda, mas, que iria se propagar facilmente. E tendo como opção “Oppenheimer”, tal escolha seria ainda mais improvável. 

Pobres Criaturas e “Assassinos da Lua das Flores” são os que mais se aproximam de desafiar “Oppenheimer”. A comédia do Yorgos Lanthimos se utiliza da história de Frankstein para reinventá-la ao feminismo. Certamente deve estar no topo das indicações e vencer algo nas categorias técnicas. Já nas corridas principais, a situação fica difícil e, neste momento, a maior possibilidade é a Emma Stone, hoje, o segundo nome mais forte em Melhor Atriz. 

Para além da bilheteria não ter sido nada impressionante, há a estranheza do cinema do Lanthimos que sempre pode causar afastamento de uma parte dos votantes. Claro que este fator precisa ser relativizado após a vitória de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, porém, neste ano, há um rival de peso e muito mais tradicional, capaz de abraçar mais setores da Academia do que “Pobres Criaturas”. 

 Já “Assassinos da Lua das Flores” chega ao Oscar com favoritismo em Melhor Atriz para a Lily Gladstone, maior nome da temporada de premiações até aqui. Para se fortalecer na busca por Melhor Filme, a vitória em Roteiro Adaptado sobre “Oppenheimer” será fundamental – isso até neutralizaria a provável derrota em Direção. 

Tanto a Searchlight Pictures quanto a Apple, estúdios, respectivamente, de “Pobres Criaturas” e “Assassinos da Lua das Flores”, usarão a seu favor as pautas identitárias contra “Oppenheimer”, um longa sobre um homem branco, feito por um diretor branco, com um elenco 95% branco.  

Porém, esta estratégia pode se revelar um tiro no pé, afinal, se for para prestigiar uma obra feminista, por que não um longa comandado por uma mulher como são os casos de “Anatomia de uma Queda” e “Barbie”? Já o épico do Martin Scorsese divide a comunidade indígena norte-americana por muitos criticarem que a trama seja contada da perspectiva do personagem do Leonardo DiCaprio em vez de ser da Molly, interpretada pela Lily Gladstone.  

Levando tudo isso em conta, acredito que o maior adversário para “Oppenheimer” seja ele mesmo. Favoritos tão cedo costumam ser os alvos das campanhas dos demais candidatos, no melhor estilo, alvo a ser batido. Nas próximas semanas, caso tudo se mantenha como está, o hate ao filme do Nolan certamente irá aumentar em uma campanha de desgaste forte. Isso, infelizmente, se tornou algo normal de temporada de premiações. 

Se alguém vai aproveitar, somente o tempo dirá. Se com “La La Land” funcionou, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” segurou muito bem a pressão e venceu o Oscar com sobras. Acredito que o fato irá se repetir com “Oppenheimer”.