O Chadwick Boseman nos deixou de forma precoce aos 43 anos, vítima de câncer de cólon. O ator ficou conhecido mundialmente ao viver o “Pantera Negra” nos cinemas.
O personagem seria grande por si só, afinal, faz parte do bilionário e influente Universo Marvel. Mas, “Pantera Negra”, marcado pela figura imponente e equilibrada do Boseman, foi muito mais como provam as cenas do impacto cultural do filme em crianças e adolescentes pretos conseguindo se ver e se sentirem representados na tela pela primeira vez em uma produção de HQ.
“Pantera Negra” demonstrou, para quem ainda tinha qualquer tipo de dúvida ou de preconceito absurdo, que filmes dirigidos e protagonizados por pretos podem ser tão lucrativos quanto qualquer filme estrelado por um ator, atriz ou comandado por cineasta branco. Arrecadou US$ 1,3 bilhão de dólares no mundo inteiro.
Isso para não falar de qualidade, afinal, conseguiu ser o primeiro longa da Marvel indicado ao Oscar de Melhor Filme, algo muito longe de ser alcançado por Homem de Ferro, Homem-Aranha ou Capitão América.
É justamente nesta visibilidade para artistas pretos que deve residir a maior homenagem ao Chadwick Boseman, um cara que nunca se eximiu de posicionamentos políticos e relativos às questões raciais nos EUA e no mundo. Assistir a obras de diretores e diretoras pretos é homenagear o Boseman. Assistir obras estreladas por atores e atrizes pretas é homenagear o Boseman. Apoiar movimentos que pedem a maior participação de pretos e pretas nas áreas técnicas é homenagear o Boseman.
Como o canal do Cine Set no YouTube se dedica ao Oscar, eu trago agora como a maior premiação do cinema americano ainda está bem, bem longe desse objetivo de valorizar o artista preto.
MELHOR FILME
Apenas dois filmes dirigidos por pretos venceram o Oscar: “12 Anos de Escravidão”, do Steve McQueen, saiu vencedor em 2014, enquanto “Moonlight”, de Barry Jenkins, superou “La La Land” em 2017.
A temática racial também esteve presente em outros ganhadores de Melhor Filme: foram os casos de “No Calor da Noite”, de 1968, “Conduzindo Miss Daisy”, em 1990, “Crash – No Limite”, em 2006, e “Green Book”, em 2019.
Destes quatro, “Crash” é uma bagunça só querendo colocar diversos tipos de preconceitos como se fosse tudo uma coisa igual, enquanto “Miss Daisy” e “Green Book” observam o racismo do ponto de vista do branco e sua transformação em vez de colocar o foco no preto.
MELHOR DIREÇÃO
Em 92 edições, nunca um diretor preto saiu vencedor do Oscar. A primeira indicação, aliás, só veio em 1991 quando o John Singleton foi nomeado por “Os Reis da Rua”.
As demais indicações aconteceram apenas nos anos 2010 com o Lee Daniels, por “Preciosa”, Steven McQueen, de “12 Anos de Escravidão”, Barry Jenkins, por “Moonlight”, Jordan Peele, por “Corra”, e o Spike Lee, de “Infiltrado na Klan”.
Dois detalhes importantes: o maior diretor preto do EUA, o Spike Lee, foi esnobado tanto em Melhor Filme quanto em Direção pelo clássico “Faça a Coisa Certa”. Segundo: até agora, nenhuma mulher preta foi nomeada na categoria.
MELHOR ATOR
A primeira indicação de um ator preto em Melhor Ator veio após 31 edições com o Noah Cullen, de “Acorrentados”. Mas, apenas quatro dos 93 atores ganhadores do Oscar de Melhor Ator eram negros:
A primeira vez aconteceu com o Sidney Poitier, por “Uma Voz nas Sombras”, em 1964.
Somente 38 anos depois veio a segunda estatueta, agora, para o Denzel Washington, por “Um Dia de Treinamento”. Os anos 2000 ainda viram Jamie Foxx, de “Ray”, e Forest Whitaker, por “O Último Rei da Escócia”, saírem premiados.
MELHOR ATRIZ
De todas as categorias, a pior de todas, sem dúvida, é Melhor Atriz.
A Dorothy Dandridge, por “Carmen Jones”, foi a primeira indicada na categoria em 1955. Porém, somente em 2002, a Halle Berry, de “A Última Ceia”, conseguiu vencer o prêmio. E foi só até hoje.
Para quem minimiza ou se incomoda com movimentos como o #OscarsoWhite, um pequeno dado: durante todo o século XX em 71 edições do Oscar, apenas seis mulheres pretas foram indicadas a Melhor Atriz. O século XXI com apenas 20 edições já igualou o mesmo número.
MELHOR ATOR COADJUVANTE
Seis dos 84 vencedores do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante eram pretos. Mas, essas vitórias só começaram nos anos 1980.
O pioneiro foi o Louis Gossett Jr., de “A Força do Destino”, em 1982. Depois, vieram o Denzel Washington, por “Tempos de Glória”, em 1990, o Cuba Gooding Jr, de “Jerry Maguire”, em 1997, Morgan Freeman, por “Menina de Ouro” em 2005, e a vitória em dose dupla do Mahershala Ali, por “Moonlight“, em 2017, e “Green Book”, em 2019.
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Se na categoria, as mulheres pretas encontram dificuldades, pelo menos, em Atriz Coadjuvante, os números são melhores. Foram oito vitórias, a maioria no século XXI.
A Hattie McDaniel foi a primeira preta a vencer um Oscar na história pelo polêmico e racista “E o Vento Levou”, em 1940. Cinquenta anos depois, a Whoopi Goldberg foi premiada por “Ghost”. Em 2007, deu Jennifer Hudson estreando nos cinemas em “Dreamgirls”. Nos anos 2010, as atrizes pretas dominaram: Mo´nique, por “Preciosa”, em 2010, Octavia Spencer, de “Histórias Cruzadas”, em 2012, Lupita Nyong´o, de “12 Anos de Escravidão”, em 2014, Viola Davis, por “Um Limite Entre Nós”, em 2017, e Regina King, de “Se a Rua Beale Falasse”, em 2019.
Vale lembrar todo o constrangimento que passou a Hattie McDaniel na cerimônia de 1940 em que não pode nem sentar na mesa dos colegas de “E o Vento Levou”. Por fim, curioso a mulher preta ter maior destaque em atriz coadjuvante do que em atriz principal, o que simboliza muitas das narrativas predominantes no cinema que colocam a mulher preta sempre em segundo plano.
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO E ORIGINAL
Em Roteiro Adaptado, apenas dois roteiristas pretos foram indicados no século XX. Esse número mais do que quadruplicou nos últimos 11 anos.
A primeira vitória veio em 2009 com o Geoffrey S. Fletcher, de “Preciosa”, em 2009. Depois vieram mais três conquistas com o John Ridley de “12 Anos de Escravidão”, o Barry Jenkins e Tarell Alvin McCraney de “Moonlight”, e o Kevin Wilmott e Spike Lee, por “Infiltrado na Klan”.
Já em Roteiro Original, foram apenas quatro indicados, sendo a primeira a Suzanne de Passe, de “O Ocaso de uma Estrela”. Mas, só um deles venceu.
Aconteceu em 2018 com o Jordan Peele, de “Corra”.
DEMAIS CATEGORIAS
A representatividade preta no Oscar segue ainda baixa em categorias técnicas, refletindo o pouco espaço deles por trás das câmeras.
Em toda história do prêmio, foram apenas dois indicados pretos ou pretas tanto em Direção de Fotografia quanto Montagem. Em Direção de Arte, a única indicação rendeu a vitória da Hannah Beachler, por “Pantera Negra”.
No Oscar de Melhor de Animação, somente o Peter Ramsey ganhou a estatueta por “Aranhaverso”, enquanto em Documentário foram duas vitórias: a primeira veio com “Undefeated”, em 2012, e “OJ Made in America”, em 2017.
Trilha Sonora teve dois pretos premiados, incluindo o Prince por “Purple Rain”, enquanto Canção Original foram quatro conquistas, incluindo, um Oscar para o Stevie Wonder.
E O BRASIL?
A baixa presença de pretos e pretas nas premiações não se restringe ao Oscar. O Grande Prêmio do Cinema Brasileiro mostrou uma completa miopia nas indicações ao evento revelada na última semana.
Apesar da nomeação do excelente “Simonal” e de Fabrício Boliveira em Melhor Ator entre os filmes de ficção, o prêmio deixou de fora “Temporada”, drama elogiadíssimo comandado pelo principal cineasta brasileiro preto em atividade, o André Novais de Oliveira, e a excepcional Gracê Passô, em uma atuação inesquecível.
Dos 20 atores indicados em categorias de atuação no GP do Cinema Brasileiro, apenas três são pretos ou pretas.
10 DICAS DE FILMES DE CINEASTAS PRETOS
- A 13ª Emenda, de Ava DuVernay (EUA – disponível na Netflix)
- “Atlantique“, de Mati Diop (Senegal – disponível na Netflix)
- “Faça a Coisa Certa”, de Spike Lee (EUA – disponível no Telecine Play)
- “Fruitvale Station”, de Ryan Coogler (EUA – disponível na Amazon Prime)
- “Harriet”, de Kasi Lemmons (EUA – disponível no NOW)
- “Mudbound”, de Dee Rees (EUA – disponível no NOW)
- “Moonlight”, de Barry Jenkins (EUA – disponível na Netlflix)
- “Negrum 3”, de Diego Paulino (Brasil – disponível no Canal Brasil)
- “Nós”, de Jordan Peele (EUA – disponível no Telecine Play)
- “Temporada”, de André Novais Oliveira (Brasil – disponível na Netflix)