Alfonso Cuáron e Guillermo Del Toro

Do trio de ferro dos diretores mexicanos, apenas Alejandro González Iñarritu não deu as caras em 2018. Já os dois amigos dele vão lembrar do ano com muito carinho.

Guillermo Del Toro, por exemplo, dominou a temporada de premiações com “A Forma da Água”. Levou os prêmios do Globo de Ouro, Sindicato dos Diretores (DGA), Bafta e Oscar. Com isso, o México acumula incríveis quatro estatuetas na categoria de Melhor Direção nos últimos cinco anos. Além disso, Del Toro rompeu uma resistência da Academia de Hollywood à ficção científica, abraçando uma história fantasiosa, inclusiva, defensora da tolerância com os diferentes e uma declaração de amor ao cinema.

Já Alfonso Cuáron retornou ao país natal para contar uma história pessoal da infância ao recordar a relação de uma empregada doméstica com a família dele. Para os céticos, poderia ser um passo atrás em meio às superproduções que ele comandou nos últimos anos em Hollywood como, por exemplo, “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, “Filhos da Esperança” e “Gravidade“. A Netflix, porém, resolveu bancar a aposta e Cuáron obteve o Leão de Ouro do Festival de Veneza (júri, aliás, presidido por Del Toro).

A possibilidade de um novo Oscar está cada vez mais forte, o que faria o cineasta se juntar a Iñarritu com duas estatuetas de Direção. Acima de tudo, pudemos ver em “Roma” uma faceta escondida desde “E Sua Mãe Também”: a forma mais comedida e elegante do bom posicionamento de câmera, deixando a mise-en-scene dos atores conduzir as sequências.

Cuáron, Del Toro e Iñarritu: que trio de ouro do cinema mexicano!


Bradley Cooper

Já faz um tempo Bradley Cooper desejava ser levado à sério. Surgiu em filmes de ação (“Esquadrão Classe A”, “Sem Limites”), esteve em romances fracos (“Ele Não Está Tão A Fim de Você”) e, claro, protagonizou o sucesso “Se Beber, Não Case”. No meio disso, firmou parceria com a dupla David O. Russell/Jennifer Lawrence e descolou as duas primeiras indicações ao Oscar por “O Lado Bom da Vida” e “Trapaça”. O jogo virou, de fato, ao estrelar “Sniper Americano”, de Clint Eastwood. Ali, conseguiu uma inesperada bilheteria milionária e uma atuação que o colocou em novo patamar.

Poderia ter ficado como diversos colegas e mesclado sucessos comerciais com obras para vencer o Oscar. Bradley Cooper até seguiu o roteiro, porém, com um aditivo: ir para trás das câmeras e ser diretor. Para tanto, resolveu estrelar fazendo um remake clássico de Hollywood: “Nasce uma Estrela”, obra que já fora feita outras vezes com relativo sucesso em todas elas. Era uma aposta segura até resolver colocar Lady Gaga como protagonista. A estrela pop seria capaz de uma boa atuação? E ele: ficaria em segundo plano?

A resposta veio em um filme sensível e muito bem feito. Pode não ser um clássico e talvez nem mereça o status de favorito ao Oscar 2019. Isso, entretanto, não impede de reverenciar um trabalho conduzido de forma segura na direção e uma atuação excelente ao mostrar a fragilidade comovente do astro em decadência Jackson Maine. Bradley Cooper deixa 2018 ainda mais respeitado e com um horizonte interessante pela frente.


Emily Blunt

Emily Blunt é uma das estrelas mais carismáticas de Hollywood. Precisa ser muito implicante para não se encantar pela simpatia, beleza e energia que a britânica coloca em seus projetos. Desde quando roubou a cena em “O Diabo Veste Prada”, ela acumula sucessos de bilheterias, entre eles, “Looper“, “No Limite do Amanhã“, “O Caçador e a Rainha do Gelo“.

Por outro lado, exceto por “Sicario”, os trabalhos dela nunca chamaram a atenção dos críticos e das premiações de modo geral. Para se ter uma ideia, antes deste ano, ela foi indicada apenas uma vez ao SAG pelo fraco “A Garota no Trem” e três vezes ao Globo de Ouro nos esquecíveis “A Jovem Rainha Vitória”, “Amor Impossível” e “Caminhos da Floresta”.

Mesmo em projetos sem a pretensão inicial de agradar em cheio críticos e até participar da temporada de premiações, a atriz se superou e teve um 2018 inesquecível. A engenhosidade dos recursos narrativos de “Um Lugar Silencioso” em fugir do local comum no terror permitiram aos atores ótimas performances, sendo Emily Blunt o ponto alto do processo. Já “O Retorno de Mary Poppins” tinha tudo para dar errado, afinal de contas, substituir Julie Andrews é uma tarefa ingrata. Ela, entretanto, não quis saber, soltou a voz, dançou um bocado e utilizou todo o carisma e um pouco mais para sair com um resultado altamente favorável.

O Oscar 2019 deve recompensar o ano excelente e render a primeira indicação da carreira de Emily Blunt. Nada mau.


Josh Brolin

Robert Downey Jr, Benedict Cumberbatch, Chris Evans, Chris Hemsworth, Chris Pratt, Scarlett Johansson em filme. No outro, o carisma de Ryan Reynolds e, por fim, a concorrência do charme latino com traços violentos de Benicio Del Toro.

Josh Brolin tinha tudo para ficar apagado nos três filmes que protagonizou neste ano: “Vingadores: Guerra Infinita“, “Deadpool 2” e “Sicario: Dia do Soldado“. Afinal, todos as estrelas citadas acima são mais carismáticas e com mais perfil de galã do que o californiano. Para vencer isso, somente talento, MUITO talento. E foi exatamente isso que ele fez.

Nem todo o CGI de Thanos impediu Brolin de mostrar a complexidade das pretensões do dono do estalar de dedos mais trágico da história do cinema. Também foi capaz de entrar na vibe zoeira de Deadpool ao criar um equilíbrio pela seriedade de Cable. Já a dosagem de violência com o restante de afetividade com o próximo ainda existente em Matt Graver na dura batalha contra as máfias mexicanas permitem um olhar mais humano à trama de “Dia do Soldado”.

O Tommy Lee Jones da atualidade dominou os cinemas em 2018 pelo caminho da discrição, algo raro dentro de Hollywood.


Karine Telles

Ferrugem“, “Arábia“, “Ex-Pajé“, “As Boas Maneiras“, “Tinta Bruta”, “Paraíso Perdido“… O cinema brasileiro teve grandes filmes em 2018, mas, nenhum rosto foi mais significativo do que Karine Telles. Pouco conhecida nas televisão, onde não passa de coadjuvante dos coadjuvantes de estrelas como Giovanna Antonelli, Deborah Secco e Bruna Marquezine, é nas telonas que a fluminense de Petrópolis consegue papéis de destaque.

Já havia sido assim em “Que Horas Ela Volta?” “O Lobo Atrás da Porta” e “Fala Comigo“. “Benzinho”, entretanto, consolidou a atriz no imaginário do público. No longa dirigido pelo ex-marido Gustavo Pizzi e roteirizado pelos dois, a força de Karine como o pêndulo de uma família enquanto lida com a conquista pessoal de se formar no Ensino Médio e precisar se despedir do filho de mudança para a Alemanha é impactante.

Karine imprime diversas camadas e dualidades em uma única tomada, o que amplia os significados da cena. Seja em um close ou apenas em um plano mais aberto observando os garotos brincarem, a atriz nos convida a embarcar em múltiplos pensamentos sobre o que, de fato, Irene está achando de tudo aquilo e qual será sua próxima reação. Pensar que o próximo trabalho da carreira dela será em “Bacarau”, de Kleber Mendonça Filho (“Aquarius” e “O Som ao Redor”), nos deixa ainda mais ansiosos com o que virá pela frente.

Rami Malek

Vamos falar a verdade: “Bohemian Rhapsody” é um lixo. Trama convencional de cinebiografia, todos os outros integrantes da banda em versões apagadas e bonitinhas, roteiro invertendo datas históricas, direção confusa… A bilheteria gigantesca ao redor do planeta, porém, ajudou a mascarar os problemas. Muito disso se deve a três fatores: a ótima recriação do show no Live-Aid capaz de fazer os espectadores saírem com a sensação de satisfação dos cinemas, a trilha sonora incrível com clássicos do Queen e Rami Malek.

O californiano de 37 anos precisava de um grande filme nos cinemas. Estrela da elogiada “Mr. Robot”, Rami Malek estrelou muita porcaria nas telonas como o remake de Spike Lee para “Oldboy” e participações apagadas na trilogia “Uma Noite no Museu”. Quando fazia ótimas produções não tinha o destaque merecido – “O Mestre”, de Paul Thomas Anderson, é, sem dúvida, o grande exemplo.

Não estranha a garra com que encarou o desafio de viver Freddie Mercury. O ícone do pop/rock era um personagem dificílimo, pois, a imagem dele está muito viva na memória de todos e cair em estereótipos seria o caminho mais fácil. Apesar de uma dentadura questionável, Rami Malek enche a tela de energia igual o líder do Queen fazia nos palcos, sendo a grande força de “Bohemian Rhapsody”. Por isso, a indicação ao Oscar está quase certa, algo até improvável semanas atrás.

Além da cinebiografia do Queen, Malek ainda apareceu nos cinemas com o fraco remake de “Papillon”, o que somente reforça a necessidade dele precisar ainda de bons filmes.


Ryan Coogler e Michael B. Jordan

Leonardo DiCaprio e Martin Scorsese que me desculpem, mas, a grande dupla do cinema americano na atualidade chama-se Ryan Coogler e Michael B. Jordan. Juntos, os dois já tinham feito o incisivo “Fruitvale Station” e renovado a franquia “Rocky” com o excelente “Creed”. O que conseguiram fazer em 2018, entretanto, transcendeu muito mais do que podíamos imaginar.

“Pantera Negra” trouxe uma densidade temática nunca imaginada até então para os filmes da Marvel. Se o estúdio dos heróis de Stan Lee tinham a fama de serem grandes aventuras, coloridas e sem muito a dizer, a produção comandada por Ryan Coogler ampliou o escopo ao colocar subtextos raciais históricos no blockbuster.

Personagem interpretado por Michael B. Jordan, Killmonger representou esta complexidade: seria ele um vilão puro e simples por querer a destruição de um sistema que o subjuga e o humilha diariamente? Não teria ele razão por tanto ódio e raiva devido ao passado de escravidão e mortes enfrentados por negros em todo o planeta? Se fôssemos nós no lugar dele, pensaríamos tão diferente?

Impressiona como Coogler e Jordan conseguem trazer este discurso de forma palatável ao público sem soar panfletário e ainda entreter ao mesmo tempo. Quem dera mais blockbusters fossem que nem “Pantera Negra”…


Spike Lee

Spike Lee adota um estilo diferente de abordagem do problema do racismo em relação a Coogler&Jordan: o diretor negro mais importante da história do cinema americano é da tática do ‘porradão’, de esfregar na cara as hipocrisias dos EUA e todo o ódio histórico dos EUA contra a comunidade afro-americana. Por vezes, a metralhadora giratória acaba errando alvos e cai no exagero, mas, quando acerta… sai de baixo.

“Infiltrado na Klan” não procura fazer simbolismos: o discurso de Spike Lee é explícito mesmo com recados diretos a administração de Donald Trump na Casa Branca. Não à toa vemos membros da Ku Klux Klan citando ‘América Primeiro’ e discursos de fazer os EUA grandes novamente. Pode-se criticar as simplificações, mas, em uma era de tamanho retrocesso, retóricas estapafúrdias para justificar o injustificável e do discurso sensato perdendo espaço para a histeria das redes sociais, a tática adotada pelo filme faz completo sentido.

Spike Lee ainda é hábil suficiente para apontar o racismo histórico vindo desde a época da escravidão passando pelo sucesso de “O Nascimento de uma Nação”, de D.W Graffith, como um mecanismo de massificação deste ódio até a violência policial enraizada contra os negros. Diferente de muitos filmes políticos, “Infiltrado na Klan” alcança uma combinação rara de vigor, raiva e indignação com lucidez narrativa, fazendo este o melhor longa de Lee em anos.


Tom Cruise

O fracasso de “A Múmia” parecia selar a decadência de Tom Cruise. A imagem de eterno galã correndo de um lado para o outro dava sinais claros de esgotamento a ponto da franquia “Jack Reacher” terminar sem ninguém sentir falta. Restava o interesse público e da mídia sensacionalista na bizarra vida particular do galã com a obscura relação dele com a Cientologia e anos sem ver os filhos. Muito pouco para o maior astro de Hollywood dos anos 1980 e 1990.

Missão Impossível: Efeito Fallout” tinha tudo para ser mais uma pá de cal na carreira do ator. A franquia até vinha de bons filmes e as bilheterias eram satisfatórias, mas, nada que empolgasse tanto assim público e crítica. O longa lançado neste ano, entretanto, surpreendeu pela engenhosa trama e sequências de ação capazes de estarem entre as melhores da série. Mesmo interpretando a persona que criou para si, Tom Cruise nunca esteve tão leve em cena e conseguiu até mesmo aproveitar o acidente no set de filmagem como forma de humanizá-lo.

No mundo ideal, seria ótimo vê-lo novamente com grandes diretores capazes de arrancar uma boa atuação dele (oi, Paul Thomas Anderson), mas, “Top Gun 2” está chegando para Tom Cruise ganhar uma nova franquia de segurança quando as coisas estiverem indo mal.


Ah-Ih 
Yoo

“Ah-Ih Yoo é a epítome do protagonista de qualquer livro de Murakami: um homem sensível, porém um tanto desligado do mundo ao redor, que é mais levado pelos acontecimentos que responsável por eles, até que as circunstâncias o levam ao extremo”.

Desta maneira, Susy Freitas define o trabalho brilhante do ator no aclamado “Em Chamas“. Ah-Ih Yoo simboliza uma das melhores produções de 2018 com uma atuação soberba. Toda a complexidade do roteiro feito por Chang-dong Lee e Jung-mi Oh em um suspense aflitivo para o público por não saber o que está encarando adiante ganha força pelo trabalho do elenco que ainda conta com Steven Yeun, de “The Walking Dead”.

Se você ainda não assistiu, descubra logo “Em Chamas”.

BÔNUS: CHOQUE DE CULTURA

Rogerinho do Ingá, Renan, Maurílio e Juninho da Van. O quarteto de motoristas de van do “Choque de Cultura” se tornou o grande nome do humor na internet brasileira em 2018. O grupo surgido há dois anos na TV Quase atingiu o auge da popularidade com comentários bizarros e nonsense sobre cinema e séries de televisão.

A iniciativa pode também ser vista como um contraponto mais bem-humorado aos críticos do setor. A chegada à Globo em novembro mostra a força do grupo que terá prato cheio no ano que vem com a chegada de diversos blockbusters e, claro, o fim de “Game of Thrones”.