No hipismo e no futebol, a expressão ‘cavalo paraguaio’ é usada para designar aqueles que lideram uma disputa na parte inicial, parecem que serão vencedores, mas, no meio do caminho, perdem fôlego e ficam pela metade. 

O Oscar também tem seus cavalos paraguaios, alguns deles, aliás, verdadeiros clássicos do cinema. Na edição de 1964, Hollywood jogava suas fichas em dois épicos estreladas pelos maiores astros da época: “Cleópatra” com Elizabeth Taylor, Rex Harrison e Richard Burton e “A Conquista do Oeste”, codirigido pelo John Ford com Henry Fonda, James Stewart e Gregory Peck no elenco. A surpresa veio do outro lado do Atlântico com a comédia “As Aventuras de Tom Jones” surpreendendo a todos. 

Exceto pelo prêmio de Roteiro Original para “A Conquista do Oeste”, sobraram as esperadas categorias técnicas para os dois épicos. Falando em épico, dá para colocar “Doutor Jivago” como um cavalo paraguaio do Oscar. 

Afinal, a expectativa era que o David Lean repetisse o feito alcançado três anos antes com “Lawrence da Arábia. A vitória no Globo de Ouro em Filme de Drama e Direção até apontou para isso, porém, Julie Andrews veio avassaladora com “A Noviça Rebelde” e provocou a reviravolta na Academia ao ganhar a categoria máxima e direção com o Robert Wise. 

O Exorcista” chegou grande para o Oscar 1974: sucesso arrebatador de público e crítica, vitória no Globo de Ouro em Filme de Drama e líder de indicações ao lado de “Golpe de Mestre”. A vitória do terror do William Friedkin seria ainda simbólica para coroar um gênero sempre rentável para a indústria e para marcar uma época de transformações trazida pela Nova Hollywood. A Academia, porém, jogou no seguro e ficou com o agradável “Golpe de Mestre”. 

“Os Fabelmans” não será a primeira experiência do Steven Spielberg como cavalo paraguaio no Oscar: em 1986, a expectativa era que a seriedade de “A Cor Púrpura” seria capaz de dar a estatueta dourada que as aventuras “E.T” e “Indiana Jones” não conseguiram. A temporada, entretanto, mostrou o oposto: derrota no Globo de Ouro, esnobado em Direção e, na premiação, nenhuma vitória mesmo com 11 indicações. 

DE “CHEFÃO 3” A “BELFAST”

E o que dizer de “O Poderoso Chefão 3”? Quando o Francis Ford Coppola anunciou que voltaria ao universo dos Corleones, muitos pensaram que já dava para entregar a estatueta para ele. Ledo engano: a continuação não obteve a aclamação dos dois primeiros e chegou ao Oscar 1991 fragilizado, ainda que com 7 indicações, as quais perdeu todas. 

Cinco anos depois, “Apollo 13” reuniu um timaço liderado pelo então bicampeão de Melhor Ator, Tom Hanks, para contar uma história pouco lembrada da era da corrida espacial. O drama do Ron Howard, entretanto, sucumbiu à força de “Coração Valente” e perdeu espaço até mesmo para “Razão e Sensibilidade” durante a temporada. 

O Martin Scorsese também teve seus cavalos paraguaios no Oscar: em 2002, “Gangues de Nova York” parecia o filme certo para ver o prêmio até pela comoção causada pelos atentados de 11 de setembro do ano anterior. Talvez até por isso, a violência de uma história que não chega a ser das mais bonitas sobre a formação da cidade não era o que os votantes esperavam e a superprodução ficou em segundo plano no duelo entre “Chicago” e “O Pianista”. 

Dois anos depois, Scorsese tentou novamente com “O Aviador”. Ao lado de um elenco de estrelas, o mestre entregou o melhor do ponto de vista técnico, mas, sucumbiu à simplicidade efetiva de “Menina de Ouro”. 

trapaça david o. russell

“Benjamin Button” era a aposta de David Fincher para vencer o Oscar. Nunca o diretor de filmes pesados como “Seven” e “Clube da Luta” foi tão sensível e romântico como fez aqui e realizou uma produção tão moldada para conquistar a temporada de premiações. Transpareceu tanto que tirou a vida do longa, surpreendido por “Quem Quer ser um Milionário?” na edição de 2009. 

“Trapaça” tinha o elenco perfeito, o diretor querido da Academia e uma precisão técnica absurda – não à toa liderou as indicações em 2014. Começou a temporada bem ao levar o Globo de Ouro de Melhor Comédia/Musical, ganhando de pesos-pesados como “O Lobo de Wall Street”, “Ela”, “Nebraska” e “Llewyn Davis”. Venceu também Melhor Elenco do SAG e se credenciou definitivamente a Melhor Filme. O Oscar, entretanto, teve bom senso e a dramédia do David O. Russell saiu da festa de mãos vazias. 

Já “Boyhood” dominou nos prêmios da crítica e teve um mês de dezembro perfeito. O Globo de Ouro também consagrou a longa jornada do Richard Linklater. Foi só chegar nos sindicatos para a brincadeira acabar: SAG, DGA e PGA consagram “Birdman”, consolidando o caminho para a vitória do Alejandro González Iñarritu no Oscar. 

E o Scorsese, coitado, está de volta: “O Irlandês” foi a maior aposta da Netflix em 2020. Ser a retomada da parceria do diretor com Robert De Niro, o primeiro trabalho dele com Al Pacino e Joe Pesci saindo da aposentadoria era suficiente para colocar o drama de máfia no hall dos favoritos. As 3h30 de duração, entretanto, afastaram o público e os votantes; no fim das contas, perdeu todos os 10 prêmios a que concorria. 

O David Fincher e a Netflix fracassaram também com “Mank”: o filme não fez nem cócegas em “Nomadland” na temporada de 2021. Já “Belfast” parecia imbatível em outubro ao sair ganhador do prêmio do público em Toronto. Quando começou a temporada de fato, o drama do Kenneth Branagh perdeu tamanho fôlego que nem viu “Coda” passar. Sorte ainda ter levado Roteiro Original. 

O CAVALO PARAGUAIO DE 2023

Em 2023, tudo indica que “Os Fabelmans” será o cavalo paraguaio da temporada e a história é parecida com o que ocorreu com “Belfast”. 

O drama do Steven Spielberg foi consagrado no evento canadense ao levar o prêmio popular, fazendo a imprensa especializada apontá-lo como o candidato a ser batido na temporada. As críticas também eram muito elogiosas, exaltando o diretor por uma história nostálgica capaz de abordar as engrenagens do cinema em meio a um coming of age e um drama familiar. Tudo isso com um elenco repleto de possibilidades para emplacar nas nomeações. 

O primeiro baque, entretanto, veio em dezembro quando “Os Fabelmans” teve um desempenho tímido junto aos críticos dos EUA. A narrativa pró-Spielberg ainda era forte, mas, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” ganhava uma força inesperada e consistente.  

A recuperação veio no Globo de Ouro ao ganhar Direção e Filme de Drama, batendo “TÁR”, “Avatar – O Caminho da Água”“Elvis” e “Top Gun: Maverick”. Se as presenças no DGA e PGA eram protocolares, o SAG trouxe sentimentos conflitantes: a Universal Pictures pode comemorar a nomeação de Paul Dano em Ator Coadjuvante e Melhor Elenco, mas, lamentou demais a ausência da Michelle Williams em Melhor Atriz. 

O golpe maior, entretanto, veio do Bafta: os ingleses ignoraram completamente “Os Fabelmans” até mesmo na longlist. O drama obteve uma única indicação em Roteiro Original, muito pouco para quem possui pretensões maiores no Oscar.  

A pá de cal aconteceu no carnaval com o Steven Spielberg perdendo o Sindicato dos Diretores para os Daniels. O DGA, aliás, era o sindicato que o filme mais tinha possibilidade de vitória entre os precursores do evento da Academia. Somente uma improvável conquista no SAG de Melhor Elenco coloca “Os Fabelmans” de volta ao jogo. 

RAZÕES DO FRACASSO – BILHETERIA RUIM 

O Steven Spielberg pode até ser conhecido como rei das bilheterias pela filmografia repleta de sucessos. O desempenho de “Os Fabelmans” nos cinemas mundiais, porém, é um ponto fora da curva. 

Lançada em novembro em circuito limitando e expandido no fim do ano, a produção acumula modestos US$ 17 milhões nos EUA e US$ 31 milhões ao redor do planeta. São os piores índices da carreira de Spielberg, levando em consideração apenas o cenário norte-americano. 

Em uma temporada em que o Oscar busca desesperadamente atrair o público de volta para a premiação, até faz sentido premiar um nome conhecido por todos que gostam de cinema. Por outro lado, escolher “Os Fabelmans” pode realçar um distanciamento da Academia com a audiência ao premiar justo aquele filme do Spielberg que menos pessoas conhecem.  

Se os membros da Academia levarem isso em consideração, mais fácil ficar com “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, produção com uma boa bilheteria e grande aceitação entre o público de modo geral. Isso para não falar, é claro, de “Top Gun: Maverick” – aqui, entretanto, parece ousado demais para o Oscar. 

RAZÕES DO FRACASSO: ESTOURO ANTES DA HORA 

Com a temporada de premiações começando cada vez mais cedo, quem se destaca logo tende a se desgastar pelo tempo. Ao vencer Toronto, “Os Fabelmans” colocou um enorme holofote em cima dele. 

Logo, a expectativa é que correspondesse a tudo o que foi falado à medida em que foi sendo visto pelo público e crítica. E isso ganha ainda mais peso quando se trata de um nome como Steven Spielberg. 

“Os Fabelmans” pode decepcionar aqueles que tem na memória o Spielberg grandioso de “Tubarão”, “Jurassic Park” e “O Resgate do Soldado Ryan” ou o altamente emotivo de “E.T – O Extraterrestre” e “A Lista de Schindler. O novo filme está no meio disso com uma história de longos anos, mas, intimista, comovente, mas, longe do choroso. 

Apesar disso, o filme conseguiu aprovação da mesma forma que “Amor, Sublime Amor”, mas, longe de despertar maiores amores. Hoje, chega ao Oscar sem apresentar fôlego suficiente para arrancar na reta final. 

RAZÕES DO FRACASSO: ISOLAMENTO NA CORRIDA 

Uma pergunta que me faço sempre em relação a “Os Fabelmans” é se ele consegue realmente cativar os votantes da Academia a ponto de votarem nele com a força necessária para ganhar o Oscar.  

Se por um lado, é difícil encontrar quem desgoste ou ache o filme uma porcaria, ajudando-o em um sistema de votação em lista preferencial, por outro, não sinto que há uma onda à la “Parasita” e “Coda” para fazê-lo sair premiado. 

Se a ala britânica da Academia demonstrou claramente não morrer de amores por “Os Fabelmans”, penso nos votantes mais jovens: ainda que respeitem e até gostem de tudo o que Spielberg fez no cinema, não vejo “Os Fabelmans” tomando a preferência de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, “Avatar”, “Top Gun” e “Elvis” junto a este público.  

Mesmo entre os entusiastas dos blockbusters, o longa da Universal Pictures, hoje, está atrás das superproduções lideradas pelo James Cameron e o Tom Cruise. Depois do Bafta, os votantes internacionais podem olhar para “Nada de Novo no Front” com mais atenção.  

Enfim, entre tantas prioridades para os mais diversos grupos, “Os Fabelmans” está escanteado na corrida. A sensação que deixa é de um filme simpático, querido, mas, que ninguém estará disposto a lutar por ele no fim das contas.  

RAZÕES DO FRACASSO: ERRO ESTRATÉGICO CARO 

A situação de “Os Fabelmans” poderia ser diferente no Oscar 2023 caso a Universal Pictures tivesse tomado outra decisão em setembro do ano passado. 

Na ocasião, o estúdio colocou Michelle Williams para concorrer a Melhor Atriz em vez de coadjuvante. Desta forma, a estrela de “Os Fabelmans” se viu em rota de colisão com Cate Blanchett e Michelle Yeoh, as duas favoritas da categoria. Ficou sem a menor chance da vitória. 

Caso a Michelle Williams estivesse concorrendo em Atriz Coadjuvante, ela muito provavelmente seria a favorita à estatueta. Isso poderia impulsionar “Os Fabelmans” nesta reta final, afinal, todos iriam dar maior atenção ao trabalho que renderia o Oscar a um nome querido de Hollywood.  

Ter o protagonista ou coadjuvante indicado ou com chances de vitória eleva as possibilidades em Melhor Filme – “Wakanda Forever” e “A Baleia”, por exemplo, foram cotados até o último segundo nas indicações da categoria. Hoje, sobrou para “Os Fabelmans” sonhar com o John Williams em trilha sonora, mas, até aqui, a conquista parece improvável demais.